Regresso às Aulas: Espirros, Comichões e Mochilas Carregadas

O mês de setembro marca o regresso às aulas, mas para muitas crianças também representa o
regresso de espirros, pieira e comichões postos em pausa. As alergias são uma realidade cada vez
mais frequente, com impacto na saúde, no bem-estar e até no desempenho escolar dos alunos. Com o
início de um novo ano letivo, importa lembrar que, para muitos estudantes, o ambiente escolar pode
ser também um palco para manifestações alérgicas — e que há muito que podemos (e devemos) fazer
para as prevenir e controlar.

A alergia é uma resposta do sistema imunitário a substâncias comuns do ambiente e habitualmente
inócuas, como ácaros do pó, fungos, pólenes ou até mesmo alimentos. Nas crianças, pode manifestar-
se sob várias formas que, embora distintas, partilham uma característica preocupante: quando mal
controladas, afetam o sono, a concentração, o rendimento escolar e a qualidade de vida.

As alergias respiratórias são, de longe, as mais comuns no contexto escolar. O regresso às aulas
coincide com maior exposição a ambientes fechados, pó acumulado, agentes infecciosos e até mesmo
stress emocional. Crianças com rinite alérgica ou asma que suspenderam a medicação durante o
verão podem ter recaídas logo nas primeiras semanas. Sinais como nariz entupido, espirros, tosse ou
pieira – sobretudo durante as brincadeiras ou o esforço físico – não devem ser ignorados, pois podem
comprometer o descanso e dificultar a aprendizagem. Nestes casos, o acompanhamento médico, a
medicação de controlo adequada e a partilha de informação com a escola fazem toda a diferença.

As alergias alimentares exigem uma preparação cuidadosa, já que podem causar reações graves
mesmo em pequenas quantidades – como em vestígios nos utensílios ou vapores de cozedura. Cada
criança deve ter um plano de ação e de emergência, com instruções claras sobre o que fazer em caso
de reação. É essencial que a escola esteja informada e preparada: professores e pessoal não docente
devem conhecer os cuidados a ter, os sinais de alarme e como atuar rapidamente. A caneta de
adrenalina, fundamental na forma mais grave de alergia – a anafilaxia – tem de estar acessível e todos
devem saber utilizá-la. A formação da comunidade escolar nestes casos não é um extra — é uma
necessidade.

A componente emocional não deve ser esquecida. Crianças com alergias alimentares podem sentir-se
excluídas em festas, atividades ou momentos de refeição, o que contribui para ansiedade e
isolamento. A inclusão passa por pequenos gestos: adaptar ingredientes numa atividade, avisar com
antecedência sobre eventos especiais ou simplesmente garantir que a criança pode participar com
segurança. Quando a escola e a comunidade cooperam, tudo se torna mais simples e mais humano.

A dermatite atópica também merece atenção. Comichão persistente, pele irritada ou feridas visíveis
podem provocar desconforto físico e interferir na autoestima e na concentração durante as aulas. A
hidratação regular, a aplicação de cremes apropriados e o respeito pelas rotinas de tratamento são
fundamentais. Importa sensibilizar todos os intervenientes escolares para reconhecer as necessidades
destas crianças e evitar interpretações erradas do seu comportamento.

A preparação para o novo ano letivo deve incluir mais do que cadernos e lápis. Consultas médicas de
rotina, atualização do boletim de vacinas, avaliação da visão, audição e da saúde oral, avaliação de
dificuldades de aprendizagem e outras condições que possam afetar o desempenho escolar são passos
importantes. De igual forma é a revisão dos planos terapêuticos: se a criança toma medicação regular,
mesmo fora do horário escolar, a escola deve ser informada. E se leva medicação de emergência, esta
deve estar acessível, dentro da validade e bem identificada.

O papel da escola é central, mas os pais também têm uma responsabilidade ativa. Devem reunir-se
com a direção, entregar os documentos clínicos necessários, ensinar a criança — consoante a idade
— a reconhecer sinais e sintomas de alarme e a pedir ajuda, bem como manter contacto regular com
os profissionais de saúde que a acompanham. Só assim se cria um ambiente seguro, inclusivo e
promotor de saúde.

Deste modo, o regresso às aulas pode e deve ser vivido com confiança, mesmo em contexto de
alergia. Com informação, vigilância e colaboração, é possível garantir o bem-estar, prevenir reações
indesejadas e permitir que cada criança aproveite a escola em pleno — com ou sem espirros pelo
meio.

David Pina Trincão – Médico Imunoalergologista