Nas duas últimas edições do Almeirinense referi a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, em 1500, bem como abordei o início da convivência com os índios locais, do empenho dos primeiros jesuítas na cristianização e abandono da antropofagia pelos índios, da divisão do Brasil em capitanias, dos abusos dos seus capitães-mores, da chegada dos primeiros escravos africanos para os engenhos de açúcar, da vinda dos Reis de Portugal fugindo às invasões francesas mandatadas por Napoleão Bonaparte, que deu uma nova designação ao país chamando-se agora de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e da independência do mesmo, em 1822, proclamado pelo príncipe herdeiro D. Pedro que se recusara a regressar a Portugal.
Na História do nosso país, quando se aborda o continente americano, apenas é referido o Brasil como o único antigo domínio português na América do Sul. Nada mais falso, pois mais três existiram que içaram a bandeira portuguesa, admitindo a sua soberania a Portugal. Foram eles a Colónia de Sacramento, a Colónia de Caiena Guiana e a Província da Cisplatina. Abordemos hoje estes territórios, que por períodos curtos é certo, viram a bandeira das Quinas neles desfraldada.
A Colónia do Santíssimo Sacramento – Após a independência em 1640, Portugal viveu uma grave crise económica. Perdeu-se muito do lucrativo comércio da Ásia e irão surgir crises nos sectores agrícola e industrial. Na América do Sul os comerciantes procuravam abrir nos territórios espanhóis um mercado consumidor de gado e um caminho fluvial às zonas de exploração da prata e ouro do interior. A indefinição das fronteiras nas proximidades do rio da Prata, vizinho ao Brasil, levam D. Pedro II a mandar fundar um entreposto fortificado na margem esquerda, procurando ter acesso aos rios Uruguai, Paraná e Paraguai ambicionado já pelos espanhóis que haviam fundado a cidade de Buenos Aires. Será o Governador do Rio de Janeiro, D. Manuel Lobo, que empossado do cargo de governador geral das capitanias do Sul chefiará uma expedição de variada composição, que incluía três companhias de infantaria, um regimento de cavalaria, 18 peças de artilharia, um capelão, jesuítas, artesãos transmontanos, índios e 60 escravos, para uma colonização forçada. D. Manuel Lobo, inicia em Janeiro de 1680, a construção do forte de São Gabriel, na margem do rio e em frente a Buenos Aires. Chama-lhe de Colónia do Santíssimo Sacramento. Esta construção irá criar atrito entre as duas metrópoles ibéricas, com imediata reação de Buenos Aires logo em Agosto, não conseguindo os portugueses resistir a um ataque da importante esquadra espanhola e ao assalto que se lhe seguiu. Esta derrota dá início a importantes contactos com a Espanha, vindo a confirmar-se o direito da Colónia do Santíssimo Sacramento pertencer a Portugal. Esta, vivendo tratados, cercos e guerras, entre 1680 e 1822 mudou de mão entre portugueses e espanhóis por sete vezes, tendo permanecido portuguesa pouco mais de 90 anos. Num dos tratados com a Espanha, visando um fraco povoamento da Colónia do Santíssimo Sacramento, não puderam os portugueses ocupar e construir edifícios de pedra que caracterizassem uma ocupação permanente, para além da distância alcançada por um tiro de canhão.
A Colónia de Caiena Guiana – Napoleão Bonaparte no âmbito do seu interesse de conquistar todo o continente europeu, decreta o “Bloqueio Continental”, isto é, o encerramento dos portos europeus à navegação inglesa. Portugal não acata tal ordem. Vai ordenar a invasão e domínio de Portugal. Já no Brasil, o Príncipe-Regente D. João, como represália pela invasão francesa, manda ocupar o território francês da Guiana, vizinho do Brasil ao Norte, redefinindo simultaneamente a fronteira. A Guiana francesa foi conquistada em 1809 por um exército conduzido pelo Coronel Manuel Marques comandando 700 soldados portugueses e 550 ingleses. Conquistada numa semana, a capital Caiena é ocupada a 12 de Janeiro de 1809, o que leva à rendição de 1200 franceses e milícias da população negra já livre. Designou-se de Colónia de Caiena Guiana, sendo Governador o Marquês de Queluz, João da Costa. Acrescentava-se em pleno século XIX, mais um território ao Império, este já reduzido e em constante sobressalto. Em Portugal resistia-se aos franceses o que levou a mais duas invasões, ao longo de sete anos, com consequências devastadoras em número de baixas e património destruído.
O território da Guiana, possui uma densa floresta tropical, com uma diversidade de mais de 60 mil espécies lenhosas e arbóreas. Enquanto colónia “viveiro”, embelezava os jardins e parques dos palácios e cidades francesas. A ocupação de Caiena Guiana permitiu a criação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e dos Jardins de Especiarias do Pará e de Pernambuco, bem como vieram para Lisboa, para o Jardim Botânico da Ajuda, fundado em 1768, muitas destas espécies. Os jardineiros portugueses que se deslocaram a Guiana, para escolher, selecionar e acondicionar as plantas a trazer, foram escolhidos um a um, pois não podiam saber a língua francesa para não serem contaminados pela ideologia liberal lá reinante. Foi devolvida à França em 1817 como resultado final do Tratado de Viena.
A Província da Cisplatina – Com José Bonaparte, irmão do Napoleão, enquanto rei em Espanha, na América do Sul, no Vice-reino da Prata, vão-se suceder as lutas pela independência, iniciadas em Maio de 1810 e findas a 9 de Julho de 1816, com a proclamação da independência pela Argentina. Desde 1814 que o Coronel José Artigas, na Banda (margem) Oriental e com a capital em Montevideu, ainda dominada pelos espanhóis, lutava contra estes. No Rio de Janeiro D. João VI pressionado pela Rainha Carlota Joaquina, alegando direitos sucessórios, decidiu tentar a constituição de uma monarquia na região do Rio da Prata, onde os seus filhos pudessem ser herdeiros de um grande Estado Luso-Espanhol, sob autoridade de sua esposa, visando fazer da Cisplatina uma província do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Para o efeito, envia em 1815 para o Sul, a “Divisão de Voluntários Reais”, com 10 000 militares repartidos entre brasileiros e portugueses, comandados pelo General Carlos Frederico Lécor, com o objetivo de conquistar e pacificar a Banda Oriental que combatia Espanha. Este vai enfrentar o Coronel José Artigas, governador local pró-independência que lhe move uma intensa guerrilha. Derrotado Artigas nas batalhas de Catalán e Tacuarembó, Lécor conquista Montevideu em 1817. Estabelece a ordem e instala a política de porto aberto. Não querendo dar um sentido de conquista, mas de incorporação, Lécor reuniu, no que chamou Congresso Nacional do Estado Oriental do Rio da Prata, representantes da região que, após dois anos de guerra e dois de domínio, aceitaram a anexação ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves pelo Tratado de 31 de Julho de 1821. Chamou-se “Província Cisplatina”, do prefixo “cis” (aquém) e platina (de Prata). Foi portuguesa apenas 4 anos. A aceitação pelos representantes da região da Banda Oriental sancionando a anexação ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, foi mais num sentimento de pragmatismo do que ideológico, enquanto solução salvadora da miséria, da devastação e fome resultantes da guerra.
Com a independência do Brasil em 1822, agora sob a governação do Imperador Pedro I, o General Lécor com o apoio da guarnição brasileira corta a ligação com a guarnição portuguesa, comandada pelo brigadeiro Álvaro Macedo, que permaneceu fiel ao Rei de Portugal e que se viu obrigado a capitular, aderindo finalmente a Província de Cisplatina, ao Império do Brasil. Questões posteriores originarão uma guerra com a Argentina, tornando-se tal Província independente, e que englobando a Colónia de Sacramento, é hoje conhecida como Uruguai.
(Bibgª: Fábio FERREIRA, Paulo César POSSAMAI, Maria Cândida PROENÇA, Ronaldo VAINFAS).
Cândido de Azevedo











