Há poucos dias, em Amesterdão, o Benfica jogava no reduto do Ajax. Nas bancadas, menores ou jovens adultos a filmar os golos de uma noite memorável para os encarnados, com uma vitória por 2-0 sobre o mítico emblema neerlandês, nos instantes exatos em que a bola entrou. Três segundos depois, os vídeos já circulavam no Instagram.
E enquanto os adeptos à volta ainda festejavam juntos e comentavam cada lance entre si – adeptos com mais idade -, os mais jovens escrutinavam se já tinham reações nas redes sociais, com gostos e comentários. Esta cena repete-se em praticamente todos os estádios por este mundo fora. A Geração Z não deixou de ir aos jogos, mas mudou a forma como os vive.
A relação da Geração Z com o futebol é muito diferente daquela que marcou gerações anteriores. Os jovens da faixa etária entre 16 e 30 anos cresceram ligados ao telemóvel e à internet, habituados a conteúdos rápidos e a viver tudo em simultâneo, desde redes sociais a transmissões em direto.
Para esta geração o futebol continua a ser uma paixão, tal como foi para os seus pais e avôs, mas a forma como o consomem mudou por completo. O estádio já não é o único ponto de encontro e a experiência futebolística acompanha-os literalmente no bolso.
Uma geração que vive o jogo de forma mais digital
A Geração Z está habituada a ter tudo nas mãos, e o futebol não escapa a esse hábito de consumo, quase frenético. Os jovens podem ver futebol onde quer que estejam, seja através de streams oficiais, vídeos curtos nas redes sociais (Reels no Instagram ou Tiktok), ou resumos que aparecem minutos depois do apito final nas Apps ligadas ao desporto, nomeadamente.
A televisão deixou de ser o centro da experiência visto o telemóvel oferece algo mais rápido, prático e adaptado ao ritmo desta geração. Até mesmo no estádio os jovens raramente desligam completamente do digital e as constantes notificações acabam por ajudar…
Filmam momentos do jogo, publicam stories, comentam o jogo em tempo real partilhando cada lance com amigos – ou desconhecidos – que não estejam fisicamente presentes. A forma como vivem o futebol é mais social, mais dinâmica e muito mais conectada à tecnologia.
O impacto das redes sociais na relação com o futebol
As redes sociais como Instagram, TikTok e X tornaram-se parte fundamental do consumo de futebol entre os mais jovens. Estas plataformas aproximam adeptos e jogadores, criam narrativas, lançam tendências e moldam opiniões praticamente em tempo real.
Qualquer vídeo se pode tornar viral, num busca incessante de ‘linkes’ ou de notoriedade, no espaço digital. Um simples desafio (ou trend) pode pôr milhares de jovens a falar sobre um clube ou um lance específico.
Com tanta informação a circular e alguma ponta de narcisismo, o jogo vai muito além daquilo que acontece dentro das quatro linhas. Passou a ser conteúdo para partilhar, discussão para alimentar, análise para debater ou até para reproduzir, sendo uma fonte de entretenimento constante.
De ponto de visto dos clubes, este comportamento é um desafio, mas também uma oportunidade de criar uma ligação mais direta com adeptos que vivem o futebol de forma intensa e contínua. Por isso mesmo, as redes sociais das equipas tendem a ser cada vez mais alimentadas, tirando também partido dos direitos de imagem dos seus jogadores.
Veja-se só o contributo de Cristiano Ronaldo para as redes sociais de cada clube por onde passa, com milhões a passarem a seguir as contas do clube ou da equipa. O que, de certo modo, os transforma em novos adeptos. Prova disso é a Seleção Nacional ser a equipa nacional com maior número de seguidores no Instagram, segundo a própria FPF, com mais de 21 milhões de seguidores. É difícil imaginar que os mais de 668 milhões de Ronaldo não tivessem impacto…
A entrada das apostas desportivas no hábito dos jovens
Este consumo mais digital permitiu também a aproximação de outros mercados aos mais jovens, como é o caso das apostas desportivas. Legalizadas ha mais cerca de 10 anos em Portugal, este novo passa-tempo passou também a fazer parte do quotidiano de muitos jovens adeptos. Para muitos, as apostas acrescentam um toque extra de emoção, mesmo que seja por valores baixos, transformando cada jogada em algo mais envolvente e emocionante. Quase como se o apostador também fosse agora uma parte ativa do jogo!
O relatório referente ao 2.º trimestre de 2025 da SRIJ (Serviço de Inspeção e Regulação de Jogos), aponta para um aumento de mais 5,7% nas receitas brutas das Apostas Desportivas à Cota, face ao mesmo período de 2024. Mais elucidativo ainda é a proporção dos jogadores com idades compreendidas entre os 25 e 34 anos, que representa 33,5% dos jogadores registados em Portugal.
De facto, os jovens de 18 a 24 anos, representam quase 22% dos jogadores registados, sendo a terceira faixa etária mais representada (atrás dos 35 a 44 anos com 22,49%). O facto de muitos desses jovens estarem a dar os primeiros passos na vida profissional, com uma fonte de rendimento provavelmente baixa, pode ser visto como algo alarmante. Muitos até podem não ter emprego ainda.
Devido ao crescimento do mercado português, hoje existem várias plataformas com recursos pensados para utilizadores mais jovens. A presença de sites de análises e prognósticos de futebol gratuitos incentivam a curiosidade dos mais jovens, levando-os a experimentar esta vertente do futebol como parte do entretenimento que já começaram a consumir através do telemóvel. Para uns é algo ocasional, para outros é um complemento natural da experiência desportiva.
Esta tendência encaixa com o estilo imediato da Geração Z. Estatísticas em direto, cash out rápido e apostas ao vivo combinam com o ritmo acelerado com que esta geração gosta de consumir tudo. Ainda assim é importante reforçar a necessidade de responsabilidade e equilíbrio num ambiente digital que é rápido e acessível.
Do estádio ao ecrã, o consumo mudou
O segundo ecrã faz hoje parte da rotina da Geração Z e ver futebol sem o telemóvel na mão tornou-se quase impossível, esmo estando em casa, nas melhores condições. A distração é constante, mas muitas vezes está ligada ao próprio consumo do desporto.
Muitos jovens seguem estatísticas em tempo real, comentam lances nas redes sociais ou acompanham contas que analisam cada jogada ao segundo. Além de seguir o resultado de equipas rivais, por exemplo, que também tenham entrado em ação. Esta multiplicidade de estímulos cria uma forma diferente de viver o jogo, sempre ligada, sempre em movimento.
O jogo já não é apenas jogo vivido como um consumo muito próprio, é partilha, conversa, análise e entretenimento que nunca pára. Para os clubes este comportamento representa uma mudança profunda, mas também uma oportunidade de criar experiências que se estendam muito para além do próprio jogo.
O estádio ainda importa, mas de outra forma
Mesmo com o impacto todo da digitalização da sociedade, o estádio continua a ter um significado especial para a Geração Z. Os jovens gostam da energia sentida ao vivo, do ambiente das bancadas e da emoção mais coletiva e física, apesar de viverem tudo isso com o telemóvel na mão. O que antes era uma experiência puramente presencial tornou-se um híbrido entre o físico e o digital.
Os clubes e as diferentes seleções nacionais vão se adaptando, e começaram a criar experiências mais interativas, zonas dedicadas a conteúdos e uma comunicação mais alinhada com a linguagem dos jovens. No fundo, quem quer captar esta geração precisa de falar a sua língua e de cultivar estes novos hábitos.
A Geração Z não deixou de gostar de futebol, apenas passou a vivê-lo de outra forma. É uma geração que transforma tudo em conteúdo, que partilha cada momento e que traz o jogo para dentro do telemóvel mesmo quando está no estádio. Redes sociais, streams, estatísticas e apostas desportivas fazem parte desta nova forma de acompanhar e de viver o desporto. O jogo mudou. Fora das quatro linhas, pelo menos.














