Na preparação do próximo ano letivo, tem-se vindo a falar sobre a necessidade de retirar os conteúdos programáticos da educação sexual das escolas. Afinal, em que consistem estes conteúdos? Existirá justificação para isso?
A lei que regulamenta a educação sexual remonta a 2009 (nº 60/2009, de 6 de agosto) e refere que a abordagem do tema nas escolas deve incluir as seguintes vertentes: prevenção de infeções sexualmente transmissíveis, promoção da saúde sexual e reprodutiva, aceitação da diversidade sexual e da igualdade de género e combate à violência baseada no género. A lei também prevê a criação de gabinetes de informação e apoio ao aluno sobre saúde sexual e reprodutiva nas escolas que, por sua vez, devem estar articulados com os serviços de saúde. Finalmente, é a própria legislação que reforça a importância do envolvimento das famílias e da comunidade escolar na implementação do respetivo programa local.
Tendo sido concebida e alicerçada em conceitos de integração e respeito pela dignidade e privacidade própria e dos outros, parece ser apropriado incluí-la na área de Formação Cívica. Envolve inúmeras vertentes indissociáveis, pelo que exige uma equipa multidisciplinar com formação específica para o fazer. Para a lecionarem têm sido recrutados profissionais especializados (médicos, enfermeiros, psicólogos), que por sua vez trabalham em articulação com os Centros de Saúde. O envolvimento e a participação dos encarregados de educação têm sido fomentados pelas escolas, com escassos resultados, como posso testemunhar na minha qualidade de mãe, encarregada de educação e profissional de saúde.
Tal como eu, desde 2010, muitos profissionais de saúde têm estado envolvidos nestas formações. Inicialmente nas turmas dos meus filhos e, posteriormente apenas como profissional de saúde, fui responsável pela apresentação do tema em inúmeras turmas de 1º, 2ºe 3º ciclos e ensino secundário. A forma de abordagem variou com a idade de cada turma, foi adaptada ao respetivo manual escolar e foi orientada para responder às questões anónimas previamente colocadas pelos alunos. Estas foram depositadas numa caixa fechada e antecipadamente disponibilizada para o efeito. Foi viabilizada a possibilidade de replicar a sessão para os educadores numa fase posterior, com o intuito de lhes divulgar o conteúdo previamente apresentado aos seus educandos. A maioria deles não compareceu. Em contextos muito diferentes, todas as sessões foram únicas e irrepetíveis. Algumas delas prolongaram-se durante horas, sem que os alunos arredassem pé, o que revela o interesse do tema nas diferentes idades. Para mim todas foram muitíssimo gratificantes e também eu aprendi muito com as dúvidas e angústias desses adolescentes e crianças. Constatei que o anonimato foi imprescindível para a colocação de inúmeras questões que assolavam as suas mentes. Confesso que fiquei surpreendida com muitas delas. Tive de refletir e aprofundar alguns tópicos, apesar da preparação científica prévia. Continuo a considerar que muitas delas nunca teriam sido colocadas diretamente a nenhum adulto, muito menos aos respetivos pais e que a pornografia a que muito precocemente se encontram expostos jamais lhes forneceria as respostas adequadas às suas questões. Isenta de afetos e destinada exclusivamente a comercializar o sexo, a pornografia nada ensina sobre a verdadeira essência da sexualidade.
Decorridos 16 anos é importante avaliar o verdadeiro impacto da implementação desta lei em Portugal. Os resultados divulgados pela Direção Geral de Saúde (DGS) revelam um decréscimo progressivo no número de grávidas adolescentes com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos, com um declínio mais acentuado desde 2010. Níveis de escolaridade mais baixos relacionam-se com taxas mais elevadas de gravidez nestas idades, o que revela a importância do investimento na literacia. E, apesar da interrupção voluntária da gravidez (IVG) até às 10 semanas de gestação ter sido legalizada em Portugal em 2007, o número de adolescentes com menos de 19 anos de idade que a ela recorrem também tem diminuído progressivamente desde 2011. Mais informação e uma maior acessibilidade aos anticoncetivos devem ser os fatores responsáveis pelo acréscimo de investimento na prevenção, com diminuição dos riscos físicos e psicológicos associados ao aborto, que são particularmente relevantes nestas idades. Contudo, as doenças sexualmente transmissíveis (DST) para as quais não se dispõe de vacina, tais como a Sífilis, a Gonorreia, a SIDA, a Tricomoníase e a Hepatite C têm vindo a aumentar, denotando que tem sido dada primazia ao uso de anticoncetivos destinados exclusivamente à prevenção da gravidez. Comportamentos de risco sem uso de preservativo colocam em risco a saúde própria e a alheia e têm impacto na saúde pública. Por outro lado, os casos de violência doméstica e no namoro continuam a ser notícia, revelando a necessidade imperiosa de um maior investimento na prevenção, sob risco de comprometer a segurança e a saúde individuais, familiares e da comunidade em geral.
A literacia aprofunda conhecimentos cientificamente corretos que permitem a adoção livre e consciente de condutas mais saudáveis. A discussão entre diferentes opiniões fomenta a reflexão e desenvolve a capacidade crítica. Embora os pais continuem a ser responsáveis pela transmissão dos Valores essenciais, nem sempre têm a formação científica apropriada para abordar alguns temas específicos. Para além disso, o salutar respeito pela privacidade impede que alguns assuntos pessoais sejam tratados na intimidade da família.
Apesar das inúmeras conquistas alcançadas, é percetível que ainda existe um longo percurso a percorrer para atingir os objetivos contemplados na lei de 2009, nomeadamente na prevenção da propagação de DST e no combate à misoginia. Os conteúdos formativos não ferem qualquer tipo de suscetibilidade ou ideologia, pelo que não se justifica a sua eliminação curricular. Para além de não fazer sentido, a sua abolição remeterá muitos jovens para a ignorância ou para a desinformação, com impacto negativo na prevenção da gravidez, na emancipação da mulher, no respeito pelas minorias e na consciencialização dos sérios riscos associados a negligencias comportamentais. As consequências serão nefastas para os jovens, para as suas famílias e para a sociedade em geral. Citando o Professor Daniel Sampaio, “a educação sexual não é uma questão de ideologia, mas sim de ciência” e “não é a educação sexual, mas sim a identidade dos adolescentes que se encontra em crise”. A saúde sexual e reprodutiva é o alicerce do bem-estar individual e do casal. Sem casais felizes não há famílias estruturadas e disrupções familiares têm impacto no crescimento, desenvolvimento e bem-estar das crianças, com custos e encargos para toda a sociedade.
Teresa Gil Martins – Pediatra