Condições degradadas e degradantes colocam em risco a saúde e a própria vida das crianças. Impedidas de brincar e de frequentar a escola interrompem a aquisição gradual de conhecimentos e competências e ficam subaproveitadas as enormes potencialidades da infância, o que vai comprometer o desenvolvimento global da sociedade. A exploração do trabalho infantil parece um conceito longínquo e antiquado na Europa, porque foi encetada no início do século passado uma árdua luta para implementar medidas eficazes capazes de proteger as crianças.
O primeiro documento foi aprovado no dia 26 de setembro de 1924. A Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança era composta por conceitos provavelmente inovadores para a época, atualmente considerados incontornáveis. Enfatizava que a criança deve ser cuidada, deve deter a prioridade na receção de ajuda em caso de perigo, deve ser protegida contra qualquer forma de exploração, deve ter disponíveis as condições indispensáveis ao processamento de um desenvolvimento adequado e deve ser educada com o sentimento de que as suas qualidades devem ser colocadas ao serviço do próximo.
Um pouco mais tarde, na sequência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, as Nações Unidas defenderam que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Nesse contexto, no dia 20 de novembro de 1959 aprovaram a Declaração dos Direitos da Criança. Alicerçada na noção de que todas as pessoas possuem os mesmos direitos e liberdades, independentemente das suas características ou condição de origem e, convencidos de que uma família estruturada constitui o ambiente natural ideal para que a criança cresça e se desenvolva harmoniosamente, o novo documento recomendava que as famílias devem receber a proteção e a assistência necessárias para assumir as suas responsabilidades dentro da comunidade. Desde então, são considerados como direitos básicos: o direito à vida, à saúde, à alimentação, a um nome, a uma nacionalidade, a uma família, à segurança e à proteção contra a exploração. A criança tem ainda direito à educação e ao desenvolvimento (inclui escolaridade, lazer e cultura, liberdade de expressão e proteção de dados), assim como à proteção em situações específicas (por exemplo no caso de possuir necessidades especiais ou de uma pensão de alimentos, a qual deve ser partilhada por ambos os pais).
Finalmente, a Convenção dos Direitos da Criança foi adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no dia 20 de novembro de 1989. É o instrumento de direitos humanos mais aceite na História da Humanidade, tendo sido ratificado por 196 países. Portugal ratificou-a no dia 21 de setembro de 1990.
A Convenção possui vários artigos guiados por quatro princípios gerais:
– A não discriminação (artigo 2º);
– O melhor interesse da criança (artigo 3º);
– O direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento (artigo 6º);
– O direito de ser ouvida e levada a sério (artigo 12º).
Tem sido um percurso árduo e moroso. Já teve impacto positivo em muitos países, principalmente ao nível da escolaridade, da literacia, da melhoria da qualidade de vida e dos cuidados de saúde. Todavia, o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento continua inconcebivelmente a ser negado às inúmeras vítimas inocentes das atrocidades provocadas pela guerra, fome, miséria, pedofilia, maus-tratos e tráfico de crianças. Considerando que praticamente todos os países do mundo ratificaram a Convenção dos Direitos da Criança, são inadmissíveis as incongruências com que muitos deles continuam a atropelar e a violar acordos previamente realizados. O melhor interesse da criança também não é tido em consideração em algumas situações de quezílias familiares onde as crianças são usadas como armas de arremesso, nos horários sobrecarregados que as impedem de brincar no exterior, na divulgação online de fotos passíveis de violar a sua proteção de dados e comprometer a sua segurança (por vezes pelos próprios pais) e em legislação como a da “violência obstétrica”. Convém reforçar que os profissionais de saúde não agem com desígnios agressivos nem de molestar ninguém. Trabalham em prol da vida, da saúde e do bem-estar das pessoas, implementando manobras terapêuticas que obedecem a critérios clínicos bem definidos e que, no caso da intervenção obstétrica, se destina a proteger a integridade física da mãe e a do novo ser que aguarda para vir ao mundo. Uma recusa materna pouco esclarecida pode atrasar cuidados indispensáveis, colocando em risco a saúde da mãe e inviabilizando o “direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento” do filho que anseia por nascer saudável, mas que se encontra amordaçado e sem advogado de defesa.
Apesar dos inúmeros e imensuráveis progressos alcançados, o percurso percorrido ainda se encontra muito longe do fim. Convém relembrar que medidas levianas e irresponsáveis com teor xenófobo e hedonista concorrem para aumentar o risco de inverter o trajeto preconizado, de forma inadvertida e inesperada. Em todas as situações deve prevalecer o “melhor interesse da criança”, sem nunca esquecer o “direito que ela tem a ser ouvida e levada a sério”. Desde que ratificou a Convenção dos Direitos da Criança há 35 anos, Portugal tem trabalhado exemplarmente em prol do bem-estar das crianças. Foram muitos os anónimos e as figuras públicas envolvidas. O Professor Laborinho Lúcio, que nos deixou recentemente, merece um destaque muito especial. Preste-se-lhe uma singela e merecida homenagem através da leitura do seu último livro intitulado “Marília” que tão bem ilustra a importância do cumprimento do direito que as crianças têm a ser ouvidas. Cuidando das nossas crianças, garantimos um futuro melhor e uma sociedade mais justa.
Teresa Gil Martins











