Uns dias cá na minha terra

Parte dos Almeirinenses fazendeiros e não só, acordavam por volta das 6/7 da “manhin” ou menos, todos os dias. Apesar de não ser oriundo de uma família de fazendeiros era norma isto acontecer porque como todos sabem naqueles anos, a deita era logo depois do jantar depois de uma pequena conversa ou estarmos a olhar para a mãe a à passajar qualquer coisa, lavar 3 pratos e não mais e por vezes vê-la a passar a roupa naquele ferro a carvão com um Galo na ponta do dito. Logo o deitar por volta das 9 e picos e a levanta logo de manhã bem cedo. Bem, falando da vizinhança que contrariando o que é disposto atualmente com o sossego matinal, era um vê se te avias. Consideração pelo vizinho do “Lado”? Tá bem tá. Quem quer que fosse por aquelas bandas, “amandavam” logo um berro p´rá patroa acender ou avivar a lareira lá no barracão ao fundo do quintal para aquecer o leitito ou o café denominado pelo café das “velhas”, malfeito muitas vezes que era o pequeno-almoço. Muitos destes nossos avós e eu ouvi muitas vezes que o resto do jantar do dia -“Hi!Hi!Hi! Cá, rais ‘ta brazem. Cá, cão d’áuga, rais ‘ta queimem, rais ‘ta fundissem, uma traçã te desse, és um maniente, só comes mechela mas a chóriça e p’ra mim, cara de franheira, vai-te daqui imora! Oh Deus ‘ta livre! É precise um intrepse p’ra te purceber? Tens um coisa ruim que nem os cains te vã tragar. És só abelha, és um pisco p’a comer, rate cegue. Já nã és da primeira apanha, falas com despropósito, és manso, és um burro capado, levaste com uma ninha na cabeça, é bem feite! Já na’ tens tramenhos, tens sangue na guelra, fazes das tripas coração, e tens de andar com o olhe no burre e outre no cigane. E vai daí a Requeta do Jbão Ambróiso la mandava umas farpas na Loja   do Zé Moreno…

És só machequeca de burra”, ….

– “Adeus ó quexopa, guarda o dinheire e diz adeus óh remelosa, rais tabraaazem!” – “Ah Esquina, ádesculpa vinha cá a pinsar c’os mes betões, nem tava a arreparar im ti, melheri!”

– “O que teins fete melheri, á qante tempe ê já na te via, das ultimas vezes, já nem ma alembre lá vai uma porrada d’anes…”
– “Olha melheri, depois da Vindima do Caroça, funhe e más o mê home de maltezaria más o mê’rmão, e a ‘nha quenhada, lá p’á queles lades das Lisboas e olha, os filhos buns come a gente voltim sempre ao meme lugari donde fomes parides. E tu quexopa que teins feite?”
– “Olha, cá tenhe andade c’a ‘nha sorti. O mê pai anda todo escangalhade dos osses, arranjou uma doença destas novas, da ingreja, a tal dos osses desclassficades e teim ósteas purosas e neim calculas, tem rêmátimo em todes lades, só na teim na punta da lingue, é sempre aquela coisa má! Só espere na me dar tamém uma travadinha c´assim é que tava o calde intornado pra toda a gente lá do casório!”

-“Atão…proquê…melheri?”
– “Olha o mê pai já tá mais pra lá que pra cá e a ‘nha mãi, essa, já nim fala…”
– “Olha é só adesgracias mas Deus ajuda nestas coisas… olha vou à Cambre pagari a augua, que já ma cortarem, iagora tou pra ver…”
No início do século estas eram conversas mais usuais com praguedo e não só, das formas mais variadas do nosso dialeto bem popular entre mulheres. Hoje podemos ver pelos trabalhos escritos de alguns Almeirinenses bem conseguidos e esclarecedores, que nas classes do povo se foram alterando na linguagem Pobre, da Pobreza, da Rica Pobreza, da Fingida Pobreza e o Rico Pobretanas em linguagem.

Os lugares nos anos 20/50 mais aprazíveis para uma descompressão de conversa foram, sem dúvida os que vão merecer hoje um pouco de atenção…nesta—-crónica.
Nos princípios do Séc. XIX os lugares mais convencionais para o dito ajuntamento, de conversa e convívio, foram os Clubes onde a Realeza já considerada republicana tinha feito para, nos finais dos dias, a cavaqueira real entre copos e algumas criadas (aias), para os servir na altura, que proporcionavam o entretenimento desejado. Do outro lado menos abastado poderíamos encontrar a famosa Taberna onde muitos entre alguns réis, mais tarde escudos, vendiam e bebiam uns copitos de vinho, comiam tremoços, pevides, amendoins, uns carapaus fritos ou mesmo petingas, bacalhau desfiado, (a famosa coisa feita à m…), umas azeitonitas e nesse lugar, onde o chão estava sempre porco das ditas cascas, espinhas, bocados de coirato, de toicinho, beatas dos provisórios ou das onças dos Duques e côdeas de pão misturadas com algumas “escarretas”, o convívio era uma alegria, contando e inventando histórias que nem o Camões as podia descrever. Ali era o lugar dos homens de trabalho de um dia passado sem terem nem pensarem no que o dia de amanhã lhes reservava no campo!

Para as mulheres, o Vale Peixe, a Vala, o Mijado, onde a labuta de uma barrela e na lavagem na roupa, era um predicado exigente de limpeza daquilo que foram ensinadas pelas mães – o asseio da roupa. Lá iam falando, cantando, regateando, resmungando e claro, falando mal das “porcas” que não iam lá e procuravam as Fontes para levar uma “quarta d´áuga” de 10 litros e lavavam tudo nas mesmas “augas”, ficando na mesma” incardido”. Ainda assim não deixo de recordar algumas das mais centenárias Fontes que Almeirim que com tanto empenho alguém as edificou e o tempo as destruiu (ou então ao contrário) ……

……, mas voltando á miséria do antigamente. O Bacalhau, a Sardinha, o próprio Atum foram naquele tempo a comida ou conduto do pobre. A Carne era escassa por um lado era normal não havia os frigoríficos, e as salgadeiras eram a opção de reter por algum tempo as denominadas mantas de toicinho que mesmo rançoso era comido de todas as maneiras. Hoje a banha comprada em embalagens nos Supermercados em que antigamente era feita e bem condimentada e era metida em talhas de Barro onde juntamente com a carne de porco já preparada como os choriços com o tempo era retirada e frita normalmente aos Domingos. O Puré de batata que começa a ser prático por ser mais rápido a fazer, nada do que se faz agora, cozia-se as batatas e com um garfo toca de esburrachar as ditas e táva feito. O coelho caseiro depois de levar uma caxaporrada nos cornos e ficar ali na nossa mão a tremer até ao ultimo suspirito, era um dos petiscos que depois de tirar a pele ali mesmo onde eu agarrava as patas traseiras e o desgraçado de cabeça para baixo começava ali o streap tease até ficar como sabemos. Num alguidar onde mais tarde desde carqueja, vinho sal, cominhos, alho etc, bem ao gosto daquele(a) que o iria cozinhar, porque nem toda a gente o fazia igual. Logo tentava-se dar um toque de Coelho Bravo, com arroz ou batata…bem, já ía a esta hora não ía? Era tudo também aproveitado…a pele? o S´Toino dos trabalhinhos comprava-a a 2 ou 5 tostões que já dava p´rás pevides e “tramoços” na Rita Pirua. A Galinha ou Galo quando era morto, só não se aproveitava as penas, porque eram escaldados com água a ferver para as tirar, de resto era mais ou menos assim; a crista dava para grelhar neste caso do Galo, os ditos cujos denominados …isso mesmo, eram grelhados, do resto já estão a imaginar; a galinha desde que tivesse os ovos amarelos lá dentro, iam prá canja e depois o arroz esse tradicional e secular arroz de forno era o fim do mundo. Pombos, borrachos, até cocós, os tais da raça piquena, desde que já tivessem dado a conta em vivos, mais tarde também marchavam desde que houvesse uma crise das nossas tripas ou gripes, um caldinho de borracho, era o desejável….

As 11 personagens que na foto se encontram demonstram já na altura um à vontade desmedido porque nem sabiam para o que lhes estava guardado ao fim destes anos. Mas julgo ter leitores para que façam honras de reconhecimento a esta gente, visto serem fiéis para este testemunho como vou traduzindo todas nestas crónicas. Vejamos: O segundo do lado direito lá ìa dizendo p´ra m´elher atrás do cachopo: – Atão tás aí escundida p´ra quê? Tás c´um vergonha? E ela lá respondia: na vês que na rapê as pernas… O Primeiro da esquerda que se encontra com o prato meio cheio, lá ìa dizendo com muita calma: – Despache lá isse da (plingrafia) que tenhe a comezana já fria! Ao lado a Moçoila dizia: – Bem, ê já rapei o osse d´ porco, tou meme a ver que tenhe que comer o osse, s´na s´ despachar…, olhe, já tou a rapá-lo…! Já a seguinte com a boca em funil preparava-se p´ra amandar um caroço de azeitona p´ro chão…! Entretanto as conversas lá íam surgindo com a do rapazeco que tá com um naco de pão em pé porque queria ficar na plingrafia, e já dizia- Tou bem aqui ó senhor? Já os outros e conforme a foto ilustra, ao lado do cachopo o homem com o célebre barrilito de 5 litros de pinga, lá dizia: – Dexem-se tar na cunversa, q´u´ê já vou no quinte cope de pitroilo. E Logo a seguir lá íam p´ra descava…!
Os farnéis que levavam já um pouco melhorado em relação aos anos 20, era por vezes composto por um casqueiro ou parte dele, umas sardinhas ou um bocado de toicinho, bacalhau seco, não esquecendo da dita massa p´ra caldeirada à barrão, onde a burra era posta logo ao chegar e todos contribuíam ao pôr na panela o que traziam não esquecendo o tomate e o azeitito. Outra curiosidade daquele tempo foi a chegada dos carros. O pessoal vindo da charneca pela estrada fora, não tinha hábitos como de agora de vir em fila de pirilau, era tudo ao molho, logo as buzinadelas era uma constante e o agradecimento por vezes desse susto, os homens porque n`aquela altura tinha cajados, estes eram arremessados direito a eles e depois lá havia caxaporra que fervia. Tanto que ao chegarem à Vila, ao entrarem n`alguma taberna, o cajado era guardado pelo taberneiro para evitar depois de estarem com o copito, alguma zaragata de “pau feito “o que era já esperado! 

Crónica de Augusto Gil