Quando era criança, João Carvalho nunca imaginou vir a estar ligado à gestão de empresas. As áreas práticas, como a mecânica ou a geografia, eram as que mais o fascinavam. Nesta conversa com O ALMEIRINENSE, explica o crescimento da empresa que leva o seu nome, a importância dos colaboradores e a relação próxima que mantém com os clientes, a quem faz questão de tratar sempre pelo nome.
Qual a história e os marcos mais importantes da história da vossa empresa?
Há crianças que, desde cedo, têm ideias concretas sobre o que querem ser “quando forem grandes”. Não foi o meu caso. Nunca tive assim um plano ou um sonho específico que quisesse concretizar. Em criança, sentia-me atraído pela mecânica ou por profissões mais ligadas à parte mais prática, mas essa ideia acabou por ficar pelo caminho. Mais tarde, achei que gostaria de ser professor de geografia (mas como diz um funcionário meu de cada vez que eu me perco a conduzir para um destino qualquer: “Ó Sr. João, graças a Deus que não se dedicou à geografia…”). O meu percurso universitário não foi direto. Fiz uma pausa nos estudos regulares para tirar programação de computadores e, só mais tarde, já depois de casado, é que decidi tirar o curso de gestão de empresas, uma área que começou a despertar o meu interesse. Ainda sem o curso concluído, trabalhei como administrativo em três empresas, a última delas já com uma estrutura complexa, e era eu que organizava toda a documentação para a contabilidade. Comecei, nessa altura a pensar na possibilidade de iniciar um projeto por conta própria. O meu primeiro “escritório” foi no sótão da minha própria casa, e os clientes tinham de subir dois pisos e passar por dentro de casa para irem ter comigo. Tornou-se desconfortável para mim e para a família esta situação e a minha esposa começou a procurar espaços comerciais sem me dizer nada. Na altura, andavam a construir os prédios da Avenida D. João I e ela conseguiu descobrir o meu primeiro escritório por um preço razoável, porque ainda não estava concluído. Mais tarde, e porque o grupo de colaboradores estava a crescer, houve a possibilidade de comprar um escritório contíguo.
Mas a nossa história não é só feita de imóveis, é feita, essencialmente, de pessoas. Raramente faço publicidade e, quando faço, é mais para colaborar do que para divulgar. Foram os meus clientes que foram passando palavra e foi assim que a empresa foi crescendo. Rapidamente os dois escritórios juntos deixaram de ter espaço para o número de colaboradores que tínhamos e foi necessário procurar uma área maior. A “loja da Fernanda Pena” (como era conhecido este local onde estamos agora) estava à venda e tinha as condições necessárias para criar um local de trabalho digno e bem localizado, pelo que decidimos fazer a mudança.
Comecei por conta própria, sozinho, depois contratei um funcionário ainda na minha casa. Assim que abri o escritório na Avenida D. João I, foi necessário começar a contratar mais pessoas. Hoje somos quinze.
As mudanças de local de trabalho da empresa são marcos importantes, mas diria que os momentos mais importantes estão relacionados com a contratação de determinados colaboradores, que se tornaram peças chave na dinâmica da empresa (alguns deles que vinham de situações difíceis no mercado de trabalho, outros que iniciaram o seu percurso profissional connosco, outros que quiseram vir trabalhar connosco). Tenho muito orgulho na minha equipa. Por fim, mas não menos importante, diria que a nossa história é escrita pelos nossos clientes. Sentimo-nos motivados porque empresas muito conceituadas nos escolhem para trabalharem connosco, mas também nos sentimos igualmente orgulhosos por cada cliente mais pequeno que nos dá o prazer de confiar no nosso trabalho.
Quais as maiores dificuldades?
Os funcionários das repartições de Finanças mantêm-se os mesmos há décadas. Em contrapartida, as obrigações fiscais das empresas aumentaram exponencialmente. Isso significa que os gabinetes de contabilidade assumiram grande parte das tarefas que antes eram responsabilidade dos serviços das Finanças, essa é uma dificuldade. Por outro lado, os prazos. Nem todos os clientes conseguem trazer-nos atempadamente a documentação necessária e a carga burocrática é enorme. O estado não se compadece se um funcionário adoeceu, se está com problemas familiares urgentes, se temos uma ou mais funcionárias de licença de maternidade ou com redução para amamentação, os compromissos fiscais têm de ser cumpridos
Qual a relação que tem estabelecido com os vossos clientes?
Conheço praticamente todos os clientes pelo nome, apesar de já serem muitos. Temos uma relação de respeito e apreço mútuos, muitas vezes uma relação mais pessoal e sentimo-nos muito acarinhados pela forma como somos tratados. Há uns anos, tivemos a trabalhar connosco uma empresa de Lisboa, pelo que me deslocava mensalmente para fazer a contabilidade. Numa dessas deslocações, senti-me mal fisicamente e não tive qualquer apoio por parte das pessoas que lá estavam a trabalhar. Na província, muitas pessoas ainda são diferentes, há uma empatia maior e mais disponibilidade para o outro. Além disso, há muitas manifestações de apreço, que se podem até materializar: muitos clientes oferecem-nos vinho, melões, melancias, morangos, bolos, presentes de Natal, enfim, pequenos gestos que nos enchem o coração, porque as relações são isto mesmo: a preocupação com o outro, a gentileza, a gratidão.
A mudança para as novas instalações o que trouxe de diferente?
Foi uma excelente mudança. Temos melhores condições de trabalho, mais espaço, mais luz. O local de trabalho é muito importante e sentimo-nos muito bem aqui. O espaço é bonito e confortável, isso melhorou bastante relativamente ao espaço anterior. A nova localização também nos trouxe mais visibilidade. Por um lado, é positivo, pois há mais pessoas que nos procuram e que nos conhecem, por outro é um pouco mais complicado, porque muitas pessoas nos procuram para tirar dúvidas fiscais e pedir orientações. Tivemos que criar algumas regras, porque o nosso foco são os clientes.
Qual a opinião sobre a carga fiscal que recai sobre as empresas?
Na minha opinião, um sistema contributivo justo e equilibrado evita fuga ao fisco e gera riqueza, pois permite que as empresas cresçam e possam contratar mais e pagar melhor. O nosso país exige tudo das empresas organizadas, mas há milhares de pessoas que trabalham por conta própria que não declaram muito do que ganham, penso que isto não é novidade para ninguém. Quer fatura? Então paga mais 23%! Penso que 23% de IVA é exagerado e, em alguns setores de negócio, torna-se muito injusto. Vejamos, alguém que queira construir uma casa: paga uma taxa elevada de IMT pelo terreno; depois paga taxas também elevadas à autarquia para construir; depois paga mais 23% por todos os materiais de construção e mão de obra. Uma casa que custe trezentos mil euros deixa nas mãos do Estado perto de um terço desse valor.
Relativamente às empresas, há custos muito elevados com impostos e, por vezes, com pouco retorno por parte do estado. Relativamente à Segurança Social, os valores a pagar ao estado são muito elevados: sobre o salário, um funcionário desconta 11% e a empresa 23,75% no total são 34,75%; por exemplo, num salário base de 1.000€ o valor a entregar à segurança Social entre o funcionário e a empresa são 347,50€ é mais de um terço do salário.
Existem as tributações autónomas, é um imposto pago pela realização de despesa, independente de ter lucro ou prejuízo (por exemplo, despesas com compra de viaturas e todos os gastos associados), esse imposto poderá, em alguns casos, ser tributado em 32%. E ainda o imposto sobre os lucros, em 2024 foram 22,5% (incluindo a derrama municipal). A carga fiscal é muito elevada. Repito: seria importante que os impostos fossem justos e equilibrados.
E a burocracia?
A documentação e as regras são um mal necessário para o bom funcionamento do país, mas o excesso de burocracia é desgastante e limitativo do crescimento. Penso que Portugal é muito apegado ao papelinho, à regra sem sentido, à exigência excessiva, o que produz pequenos poderes. Parece que temos uma dificuldade enorme em descomplicar e isso dificulta a vida de toda a gente.

Se fosse ministro das finanças, o que fazia de diferente?
Começo por dizer que me sinto muito feliz por não ser ministro das finanças (ou de outro ministério qualquer). Admiro as pessoas que têm coragem de estar à frente da gestão do país e que o fazem pelo bem comum e pelos motivos certos. Hoje em dia, toda a gente tem opinião sobre tudo e, geralmente, opinião contrária à dos líderes, por isso penso que não deve ser fácil ter uma missão de liderança política. Mas, respondendo objetivamente à pergunta, saliento algumas coisas que poderiam ser feitas de forma diferente (compensadas por outras medidas, para que não se aumentasse a despesa do estado):
– Baixava o IVA (o valor máximo seria 19%, o exemplo da Alemanha diz-nos que essa taxa é suficiente);
– O IVA de bens essenciais à vida (por exemplo, despesas relacionadas com alimentação saudável, educação, habitação, energia, água, saúde, cultura, etc.) teria uma taxa de 6%;
– As empresas poderiam dar prémios isentos de impostos aos trabalhadores (de acordo com o seu desempenho anual, produtividade, cumprimento de tarefas específicas ou participação em projetos concretos) e esse empenho pode e deve ser recompensado, sem penalização de impostos);
– Portugal tem a taxa estatutária máxima mais elevada entre os países europeus da OCDE. Somando a taxa normal de IRC (21%) às derramas municipais (1,5%) e estadual, que pode chegar a 9%, as empresas em Portugal podem ficar sujeitas a uma taxa máxima de IRC de 31,50%. Introduziria uma taxa de IRC fixa de 15%.
– Todos os apoios do Estado teriam de ter compensação com tarefas em prol da sociedade.
Há muitas áreas em que o Estado poderia fazer mais e melhor (na minha opinião, obviamente) mas, como disse anteriormente, graças a Deus que não sou ministro das Finanças e por isso não necessito elencar todas as medidas que poderiam ser tomadas. Penso que a linha de mudança a seguir centrar-se-ia em tornar o nosso sistema fiscal mais simples, justo e transparente e considerar o bem-estar das pessoas acima do lucro.