“Queremos reabilitar uma série de estruturas para projetos de hotelaria”

Pedro Lufinha é diretor-geral da Quinta da Alorna há mais de uma década e, ao Jornal O ALMEIRINENSE, concedeu uma grande entrevista, onde fala da história da Quinta, dos projetos para o futuro e das preocupações com a água. 

Se pedisse para resumir estes 300 anos, quais é que são as palavras que utiliza?

Diria “Tanto por descobrir”, que é o nosso claim atualmente. Nós de facto, apesar dos 300 anos, temos tanto por descobrir. As pessoas conhecem-nos pelos nossos vinhos, principalmente pelos vinhos de gama de entrada, e esta comemoração serviu, obviamente para, por um lado, assinalar uma data que para nós é muitíssimo relevante e, por outro, para mostrar à imprensa e aos nossos clientes e potenciais clientes que temos um portfólio vasto e diversificado. Mostrámos a todos os convidados os nossos vinhos topo de gama, da gama reserva para cima, e apresentámos o porquê de ‘Tanto por descobrir’. É importante referir que a Quinta da Alorna é uma empresa que não faz só vinhos, que não produz só vinhos. Aliás, dos 2600 hectares que temos, a vinha ocupa 180 hectares, portanto temos uma área florestal muito vasta, com cerca de 1900 hectares e contamos ainda com uma área agrícola muito relevante de cerca de 500 HA, e queremos também que o público conheça essa parte da Alorna, e daí este nosso claim “Tanto por descobrir”. O evento dos 300 anos teve também como propósito o anúncio não só do livro “Da Índia ao Tejo, do Tejo para o Mundo: 300 anos da Quinta da Alorna”, mas também do vinho “Quinta da Alorna 1723 Grande Reserva Tinto”, que é, atualmente, a menina dos nossos olhos.Na verdade, tudo o que envolve os 300 anos é a menina dos olhos bonitos da Alorna – é o vinho, é o livro, é a embalagem, é a história, assim como a concretização deste projeto, que estava a ser pensado há já vários anos. O facto de escolhermos 2019 para a colheita do vinho do tricentenário, por exemplo, foi porque esse ano foi extraordinário em termos climatéricos. Em 2019 tivemos uva muito boa, que deu mostos muito bons e vinhos muito bons. Posteriormente, selecionámos as barricas que achávamos que estavam fabulosas e que iriam compor um blend muito bom e fizemos esse blend com as castas Tinta Miúda, Castelão e Alicante Bouschet. Estagiou 10 meses em barrica e está engarrafado desde novembro de 2020. A embalagem do vinho foi também muito bem pensada, tal como a imagem arrojada e diferente do livro “Da Índia ao Tejo, do Tejo para o Mundo: 300 anos da Quinta da Alorna”, que é da autoria de Maria João de Almeida e que conta com o prefácio do Professor António Barreto. Em jeito de curiosidade, a cor que utilizamos foi a cor menos clássica, ou seja, um azul forte para mostrar que podemos ser modernos com algo que é antigo, nomeadamente, quando assinalamos uma data tão distante do presente. 

A vossa enóloga, a Martta Reis Simões falou que houve uma série de procedimentos, desde a apanha da uva até a concessão do vinho, que foram naturais e que ela quis que fossem assim, recordo-me dessa história que ela partilhou connosco.

Nós procuramos, em todas as nossas áreas de atuação, ser muito sustentáveis pelo que a conceção do vinho de celebração dos 300 anos não é exceção. Na zona onde colhemos a uva para este vinho, por exemplo, a apanha é feita exclusivamente à mão, porque são vinhas mais antigas (anos 80/90) e não foram plantadas para serem colhidas à máquina. Os troncos são altamente irregulares, não são completamente alinhados para que uma máquina possa colher. E, no geral, em todas as nossas áreas, tentamos utilizar a menor quantidade possível de produtos nocivos nos solos (reduzimos ao mínimo o uso de herbicidas, por exemplo) e no ambiente. Esta dinâmica também se traduz numa sustentabilidade económica. Portanto, é algo que nós fazemos há muitos anos. 

E esta é uma zona também sem rega?

É uma zona onde não temos rega, exato. É uma zona de charneca, com solos de areia e calhau rolado, que drenam muito bem, portanto a retenção de água é muito difícil. Temos produções baixas e tudo isso vem ajudar a que haja uma boa concentração, uma boa qualidade daquela uva. O processo de fermentação também foi diferente, porque utilizámos uma espécie de lagar. Na altura, efetuámos todas as etapas de produção de forma a conseguirmos um resultado fabuloso pois estivemos também atentos a todos os pormenores ao longo do processo. Este vinho, que celebra o tricentenário, acabou por ser feito um ano antes de instalarmos uma micro adega a que chamamos de “Wine Creation”. Esse é o local ideal para fazermos estes “wine creation”, onde temos equipamentos sofisticados e preparados para pequenas quantidades, nomeadamente um desengaçador muito pequeno e suave com tapetes de transporte das uvas, cubas pequenas, uma prensa vertical também pequena e dois lagares. Todo este equipamento tem permitido introduzir várias melhorias no nosso processo de vinificação, com um incremento notório da qualidade dos vinhos aqui produzidos. 

E quais são as reações? 

Todas as pessoas com quem temos falado e que estiveram na festa gostaram muitíssimo dos diversos momentos que proporcionámos. No evento, as reações foram muito simpáticas, mas depois do evento, as reações estão a ser extraordinárias em relação ao vinho e o feedback está a ser extremamente positivo. Organizámos a festa em função dos nossos vinhos. Escolhemos meticulosamente todos os pratos que harmonizavam com os vinhos da Quinta da Alorna. Tudo estava organizado de forma lógica e foi pensado para que os nossos convidados conhecessem cada vinho ao pormenor e com combinações muito boas. Por exemplo, tínhamos 12 entradas e essas entradas, que tinham uma ordem de prova, estavam divididas por três vinhos. Depois, o discurso da Martta, a nossa enóloga, foi muitíssimo interessante e muito emotivo pois explicou, claramente, o processo de produção do vinho 1723.

Que perspetivas há para o ano 2024?

Esperamos que 2024 seja um ano bom. A verdade é que 2023 está a ser muito positivo, nomeadamente na marca Quinta da Alorna. Nós estamos a crescer em vendas. Até ao fim de setembro, assinalámos um crescimento de vendas de 11% e crescimento de 34% na marca Quinta da Alorna, que muito nos orgulha pois são vinhos produzidos integralmente na nossa propriedade e são feitos apenas com a uva da quinta. É este o nosso caminho e é aqui que temos valor acrescentado pois conseguimos impor a nossa marca e criar a marca ‘Quinta da Alorna’ como referência no mercado. O registo de crescimento na marca Quinta da Alorna vai para além de Portugal e estamos também a conquistar espaço no estrangeiro. Este ano, mudámos de distribuidor a nível nacional, para a Garcias, que tem cerca de 60 vendedores. A mudança deve-se à nossa ambição de crescimento pois queremos aumentar a nossa presença no canal tradicional, na restauração, na hotelaria e nas garrafeiras e acreditamos que, em 2024, vamos sentir este impacto de crescimento de vendas. A par da mudança de distribuidor, estamos também a reforçar a nossa equipa comercial e temos um brand builder que vai acompanhar os vendedores e trabalhar a visibilidade junto dos pontos de venda. No mercado internacional, fechámos também um acordo com um angariador que nos vai permitir chegar a mais mercados já no próximo ano e contamos contratar uma nova pessoa para se dedicar aos mercados de exportação pois precisamos de crescer em alguns mercados significativamente. Temos perspetivas de entrar ou de reforçar presença na Ásia, nomeadamente, na Coreia do Sul e no Japão. Na Europa, vamos fazer uma aposta grande em França, que é um mercado onde estamos com uma expressão relativa e é um mercado muito importante para vinhos portugueses.

Para lá do vinho, o Pedro Norton falou, no discurso, na aposta no imobiliário e também, a criação de espaço de eventos, isto são ideias para 2024?

O espaço de eventos é mais do que uma ideia. Já estamos na fase final do projeto e o nosso objetivo é, até ao final do próximo ano, estarmos a fazer eventos. Essencialmente, eventos corporativos pois a sala é ao lado do Palácio. Vamos procurar, com esta sala de eventos corporativos, trabalhar a marca e os nossos produtos, nomeadamente, os nossos vinhos pois somos também uma quinta de vinhos. Os participantes dos eventos terão, assim, esse contacto porque consideramos que vamos conseguir transmitir um sentimento associado àquele produto e não apenas o sabor do líquido que está dentro da garrafa. Se o consumidor souber a nossa história e tiver contato com os nossos enólogos, ficará com uma perceção muito mais rica sobre os vinhos e poderá, mais facilmente, aconselhá-los. Há muitos vinhos no mercado, quer em Portugal, que no mundo, e obviamente, são todos diferentes. O comum do apreciador de vinhos compra um vinho pela imagem, pela emoção, por uma história, por um rating. E é aqui que nós também queremos entrar, a par da distinção pela qualidade. Se conseguirmos envolver as pessoas com a nossa história, vamos conseguir trabalhar o awareness e, assim que olharem para o rótulo Quinta da Alorna, vão ter uma emoção. Acreditamos que as pessoas vão recordar o vinho de forma diferente, inclusivamente saboreá-lo de forma diferente e vão explicá-lo aos amigos de forma diferente. Queremos que esta componente de eventos, para além da rentabilidade que dá, traga, sobretudo, um grande contacto de pessoas com os nossos vinhos. Para além da sala de eventos, queremos reabilitar uma série de estruturas que temos na propriedade para projetos de hotelaria, ou até para algo mais ligado à habitação permanente ou de fim de semana. Há 50 anos viviam aqui muitas pessoas, portanto, temos várias estruturas na Quinta que eram de residências dos trabalhadores e até residências para quem vinha, por exemplo, em época das vindimas ou da poda. No entanto, estes projetos estão ainda a ser estudados. Já fizemos primeiros contactos, mas ainda estamos numa fase muito embrionária.  

Vão no futuro querer dar mais visibilidade ao que existe além do vinho?

É fácil associar a marca apenas ao vinho porque, de facto, é o único produto em que temos marca, a nossa marca Quinta da Alorna. Nós, na zona de floresta, temos eucaliptos que vendemos para as papeleiras, onde se transforma em pasta de papel. Temos também Montado de sobro, para tirar cortiça, assim como pinhal com Pinheiro Manso para pinhão, mas como tudo isso não tem marca, acabamos por não sermos conhecidos nessas áreas. Na parte agrícola trabalhamos só para a indústria. A nossa cultura maior é o milho, depois produzimos batata que vendemos à Lay´s, ervilhas e batata-doce. Há dois anos, começámos a fazer trigo, grão-de-bico e feijão-verde. Ou seja, somos pouco conhecidos, mas é uma área, para nós, muitíssimo relevante e na qual a sustentabilidade tem um peso determinante. Nós dependemos daqueles 500 hectares de solo e, se os estragamos ou empobrecemos, deixamos de ter capacidade para cultivar estes produtos. Logo aí, temos uma preocupação muito minuciosa com a água que é um bem cada vez mais escasso.

Estão preocupados com estas mudanças que estão a acontecer?

Estamos muito preocupados e, este ano, sentimos muito esse impacto. Diz-se que quando faltar a água no Vale do Tejo, o que será do resto do país. A verdade é que já falta aqui há vários anos e, ainda que não seja todos os anos, a verdade é que falta de vez em quando. Nós temos que nos lembrar que havia cheias todos os anos e a última grande cheia que tivemos aqui foi em 2012…portanto, já lá vão 11 anos. Essa água faz falta pois ajuda a enriquecer a terra, a deixar reserva, a chegar aos lençóis freaticos. Este ano, por exemplo, num dos campos de milho, não tínhamos água suficiente e tivemos de reduzir pressão no pivô para conseguirmos regar. Portanto, isso de vez em quando acontece e o que é que faz? Faz com que em vez de termos tido 15 ou 16 toneladas, tivemos oito ou nove, o que se traduz num impacto direto na produção. Também na vinha sentimos este impacto. Em 2019, nós plantámos 20 hectares de vinha e prevíamos entrar em produção o ano passado, em 2022. Mas tivemos de cortar todos os cachos para o chão para proteger a planta porque não tínhamos água, tinha acabado. A verdade é que a água escasseia e procuramos fazer a melhor gestão deste recurso para protegermos as nossas plantações. Assim, para usarmos menos água, optámos por incrementar a área semeada com culturas de sequeiro, nomeadamente, o trigo e grão-de-bico e estamos muito focados em soluções de eficiência de rega e de retenção de água da chuva.