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Opinião

A importância dos primeiros mil dias de vida

Por: Redação 23 de Dezembro, 2025 2 Minutos de Leitura

“Os primeiros 1000 dias de vida é onde tudo realmente começa” sublinha o documento publicado pelo Ministério da Solidariedade e Saúde Francês em 2020. 

Embora este período esteja compreendido entre o quarto mês da gravidez e os dois anos de idade é lícito alargá-lo, já que a fase de crescimento mais espetacular e o maior potencial de aprendizagem das nossas vidas ocorre entre a conceção e os três anos de idade. Nele residem as premissas indispensáveis à prevenção da doença, à promoção da saúde e ao incremento do bem-estar ao longo da vida. 

O ser humano nasce com uma apetência social inata e uma curiosidade latente pelo meio que o rodeia. Estas motivações impelem a criança a explorar o mundo envolvente, num processo de aprendizagem contínua e encadeada, que se inicia precocemente e se processa a um ritmo alucinante até aos três anos de idade. 

Em termos sociais, uma criança normal começa a interagir com os outros através do sorriso intencional com um mês de idade e depois, progressivamente, aprende a palrar, a balbuciar monossílabos, a apontar, a falar e, posteriormente, a dialogar. Entre os dois e os três anos está apta a verbalizar as suas questões e ansiosa por que o adulto satisfaça a sua curiosidade. 

Em termos motores, a criança observa e segue os objetos desde o primeiro mês de vida, por volta dos quatro meses começa a agarrá-los e a explorá-los levando-os à boca. Começa a sentar-se entre os seis e os sete meses e depois, sucessivamente, aprende a gatinhar, a andar, a correr, a empoleirar-se, a subir e a descer escadas. Aos dois anos tem autonomia para partir à descoberta do mundo. 

A partir dos quatro meses começa a aceitar a colher e, aos seis meses, tem maturidade intestinal e renal para introduzir todos os componentes da roda dos alimentos. Antes disso alimenta-se pela placenta da mãe e bebe leite materno ou artificial por tetina. Inicia a diversificação alimentar entre os quatro e os seis meses, de acordo com as suas necessidades nutricionais e respetivo desenvolvimento psicomotor. Aprende, progressivamente, a mastigar, a levar os alimentos à boca e a utilizar os talheres e o copo. Com um ano pode acompanhar as refeições da família e, aos dois anos, já come sozinha.

Normalmente, aos três anos já tem controlo dos esfíncteres e já interiorizou algumas regras impostas pelos pais. Brincando com os pares, vai aprendendo a negociar, a lidar com a frustração, a conquistar os outros e a cooperar com a equipa de brincadeira. A brincar ao “faz de conta” reproduz e treina as competências dos adultos. Está a preparar a sua integração social e sobrevivência na sociedade. 

Para que permaneça saudável, atenta e de bom humor a criança deve ter as suas necessidades nutricionais e de sono perfeitamente saciadas. Os padrões alimentares e de sono são implementados nesta idade e tendem a perpetuar-se no futuro.

O ser humano nunca mais volta a aprender tanto em tão pouco tempo. As experiências passadas permitiram-lhe desenvolver a linguagem e a capacidade de brincar. Conjuntamente, constituem o alicerce das aquisições futuras. Cantar, contar histórias e ler livros são atividades que estimulam a linguagem e devem ser iniciadas durante a gravidez. O livre acesso ao mundo envolvente proporciona o jogo que sustenta a aprendizagem. Uma ligação de confiança com os cuidadores é crucial para o bem-estar da criança, conferindo-lhe a proteção para que ela se arrisque mundo fora. Esta relação inicia-se durante a gestação e deve basear-se no afeto, no olhar, nas carícias e no diálogo. Concomitantemente, o adulto deve estar atento às iniciativas e emoções da criança. Entusiasmado com os seus interesses incentiva-a a prosseguir e proporciona-lhe as ferramentas cruciais à descoberta. Os “porquês” exigem uma resposta que satisfaça a curiosidade. Participar em acontecimentos artísticos e culturais apropriados à idade, assim como experiências na natureza constituem atividades imateriais e sociais profundamente enriquecedoras e promotoras de autonomia progressiva. 

Ambientes hostis, pouco estimulantes e carenciados devem ser detetados e orientados precocemente. Perpetuados no tempo podem comprometer o crescimento e o desenvolvimento de forma irreversível. Cidades inseguras, carências familiares, conflitos conjugais e familiares e formas de educação violenta (física e psicológica) representam verdadeiras barreiras físicas à exploração e, pelo stress que provocam, aumentam o risco de doença física/psicológica no futuro. A depressão pós-parto da mãe, tantas vezes subestimada, e o uso indevido de ecrãs funcionam como ambientes negligentes porque proporcionam um estímulo muitíssimo rudimentar. A fome, nesta fase de rápido crescimento, tem impacto físico e cognitivo relevante a curto e longo prazo e os erros alimentares (doces, sal e comida processada) aumentam o risco de doença crónica futura, nomeadamente: diabetes, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs), doença cardiovascular e cancros.

As aprendizagens adquiridas precocemente constituem os pilares do desenvolvimento social, cognitivo e afetivo. Pais, educadores, profissionais de saúde e legisladores devem trabalhar em equipa, em prol da proteção de todas as crianças, num investimento a longo prazo, minimizando prejuízos pessoais, familiares e sociais. A sociedade tem o dever de referenciar as situações de risco e de apoiar os mais carenciados, para que cada criança tenha a possibilidade de desenvolver todo o potencial com que nasce. Garantindo a saúde e desenvolvimento das crianças na atualidade, assegura-se a qualidade dos futuros pais, assim como a dos cidadãos e da sociedade da próxima geração. 

Teresa Gil Martins – Médica Pediatra

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