‘Andar por cá…..’, crónica por Augusto Gil

Sei que Almeirim necessita de gente que leia e se interesse pelo que cá se passa. Por isso mesmo, procuro através dos tempos idos, lembrar aos mais novos que esta Cidade está caduca em todos os aspetos. E para compor uma pequena anedota de velhos para novos…

O filho chega a casa e pergunta ao pai porque é que o pai sabe tudo, ao que este respondeu” Sei porque sou mais velho, estudei e como tu dizes, os pais sabem tudo”. O miúdo retomou a conversa: “Então quem descobriu o caminho marítimo para o Brasil e para a Índia?” Logo o Pai respondeu:” Foi Pedro Álvares Cabral e Vasco da Gama”. E o miúdo novamente perguntou: “Se de facto os pais sabem tudo e fazem tudo bem feito, porque é que não foram os pais deles que descobriram o Brasil e a Índia?”

Conclusão: teoria de passar os ensinamentos, os comportamentos e os modos de vida, como toda agente sabe, vai passando de geração para geração.

Vou ficar por volta dos finais dos anos 50 e recordar, por exemplo: os filhos tratavam os pais por Você, o Tu… Nunca. Bastava por vezes um olhar e o respeito aparecia, as horas das refeições eram condicionadas, todos tinham que estar à mesa à hora combinada, rezar antes e depois era uma constante, o pai iniciava a refeição servindo-se e de seguida a mãe e depois os filhos, chegar fora de horas a casa sem autorização, sujeitava-se a dormir na rua, todos tinham tarefas domésticas e tinham que aprender “de costas ou de barriga”.

O chapéu era um adorno que por vezes tinha que ser tirado, por educação, na Igreja, à mesa ou em qualquer casa onde se entrasse, bem como cumprimentar alguém. As mulheres, apesar de andarem de lenço na cabeça, este eram substituídas na rua para por outro, mas preto. Nas missas, funerais e festas religiosas, o vestuário preto era quase obrigatório para viúvas ou viúvos. O homem tinha todos os direitos e dispunha como lhe apetecesse do governo da casa. A mulher era submissa em todos os aspectos e quando desejada, não podia dizer que não. Nem com a história da dor de cabeça se safava…

Da fogueira de cepa, sobro, pinho e oliveira que durante anos substituiu os fogões agora existentes para “caldeirar” e mesmo aquecer a casa, aparece o fogareiro a “Pitrol” uma peça revolucionária feito de cobre e umas bombadas e a cabeça aquecida com álcool verde, o espevitador desentupia o buraquinho e zás, era mais rápido, também o ferro de passar a roupa em que eram colocadas brasas no seu interior e por vezes lá caía uma e queimava a roupa, a famosa braseira sobre a qual se colocava prata para aguentar mais tempo. Também os cigarritos Provisórios e Definitivos sabiam bem quando acesos numa brasa.

As matanças de porco eram uma festa, convidava-se a família e amigos, a carqueja queimava os pelos do dito e depois de aberto, enchia-se a bexiga de ar e fazia-se as delícias dos mais novos a jogar à bola com ela. A cachola com batatas ou com arroz, o fígado grelhado com alho, azeite e cebola e umas febras, tudo cortado, eram os pratos mais usuais nesse dia. Depois as mais idosas, com os cravinhos, cominhos e calda de pimentão, com a carne cortada em pedaços faziam dias depois as choriças, morcelas e farinheiras e, como não havia frigorífico na altura, a carne e o toucinho eram colocadas nas salgadeiras (arcas de madeira com sal), tradição ancestral na qual, mais tarde, o toucinho (mesmo rançoso), era utilizado nas sopas para dar gosto. Todas as casas tinham o seu fornito para cozer o pão ou mesmo para assar uma galinha.

Casas de banho? Qual quê – uma pia ligada a uma fossa no quintal ou, por vezes, o palheiro era utilizado para esses fins. E porque não falar das “ciroulhas”, esta roupa interior que era vestida pelos homens e por vezes utilizadas como fatos de banho. Recordo na praia da Nazaré bem cedinho, as mulheres com as camisas de dormir a tomarem banho e depois ver-se aquelas cuecas e soutiens de gola alta impressionantes! E, para finalizar, em tempos, poucos homens tiveram oportunidade de ver as suas mulheres nuas. Mesmo casadas, a vergonha e o respeito eram um dom… Hoje? Vai lá vai… Até a barraca abana!

Em outubro p.p., quando iniciei por desporto esta atividade de jornalista, pensei que nada ficaria em cesto roto … E já tinha escrito o que aqui em baixo vai ser lido.

A sabedoria do povo transmitida de pais para filhos ao longo dos anos, sem dúvida que teve sempre dos mais novos umas reticências em aceitar o que a ciência a pouco e pouco ia descobrindo e encobrir o que os mais velhos pensavam e faziam, julgando que estava ou era assim. Para exemplo, em 1969 aquando da ida do homem à Lua, a minha mãe que não sabia nem sabe uma letra do tamanho de um comboio , me dizia… “Ná, nem que me abrem a cabeça, nã me convencem, é tã verdade como a virge Maria ter aparcide em Fátima… só negociatas”!!! Era e foi uma ideia ou sabedoria? Naquela altura e com alguma sorte, sem querer… acertou… há alguém que tenha dúvidas que isto é verdade?

Sabedoria do povo? Vejamos: a religião e a ciência andaram sempre de mãos dadas. E para exemplo disso, o desconhecimento de muitas coisas dava origem a expressões que mais tarde se tornavam provérbios e a que fossem utilizadas pelo povo ignorante. Faziam questão de no dia-a-dia serem utilizadas…

Em tempos, os padres e freiras nos seus Mosteiros, eram eles os reis da sabedoria e transmitiam através das leituras do Antigo Testamento ou mesmo do Novo Testamento, como viver em paz e na ordem do Senhor. Tudo mais tarde traduzido em missas, bulas, promessas e sempre com um carisma pidesco… porque O Diabo está sempre atrás da porta . Olha que não vais para o céu, etc.. Penso que ainda durante muito tempo isto resultou. Oh, se resultou!!! O famoso conto do vigário continua e é sempre o menos culto que cai nas maiores e rambulescas aldrabices, nem os provérbios os salvam…

Bruxedos, mésinhas, maus olhados, Videntes, Bambos, Mayas, Astrologia… está provado: o povo inventou e quem quer que procure esta gente, resolve tudo em troca do sabe tudo. É o azeite na água, é ler o futuro nas entranhas de uma galinha, o mau olhado, esfregar o rabo com alho, tirar amantes, pôr amantes, tudo em troca da narta, pilim, o bem cantante… o chamado pato, desde que haja gente com dinheiro… talvez para contentar os mais renitentes, a medicina popular irá ficar por mais tempo, porque o resto. e pelo que já somos testemunhas, o homem tem alterado o sistema de vida neste planeta e até nos outros e é aí que um provérbio já antigo vai acertando…. Adeus Mundo, cada vez pior…

Por isso, em tempos vivia-se com ditados, provérbios, rifões, adágios, máximas, sentenças, isto é, cada cabeça cada sentença, serviam-se destas expressões da linguagem popular como recomendações, conselhos, conceitos, previsões e eram bem aceites pelos que diziam serem mais velhos. Por isso, aqui vou recordar ou avivar o que no dia-a-dia era falado por sistema em qualquer lugar a filhos, amigos e estroinas (?) no quotidiano deste povo, há mais de 100 anos. 

Augusto Gil