Balneário sem alma

No futebol,  muitas vezes ouvimos falar do ambiente de balneário, seja pelas alegrias ou tristezas, mas tudo se constrói a partir de dentro de um balneário, seja em que desporto for. Hoje em dia, fazemos e podemos assistir a vários artigos ou mesmo programas de televisão sobre histórias que vêm de dentro daquele espaço sagrado. Um coisa é certa, cada vez se vai perdendo mais o conceito de “balneário” ou de como um um grupo é construído a partir do mesmo.

Uma equipa tem que ter uma base para conquistar aquilo a que foi proposto no início de mais uma temporada e, como são feitos todos os edifícios, tem que ter um bom terreno de apoio para colocar alicerces e peso em cima dessa mesma estrutura. Eu sou de um tempo em que a formação desportiva era suportada completamente pelos clubes ou associações desportivas a que pertencíamos.

O início da formação foi feita nos 2 clubes mais conhecidos do concelho (União de Almeirim e Fazendense), ambos com os seus campos pelados e com condições mínimas para a prática desportiva. Em Almeirim, no antigo estádio municipal onde equipávamos, no Estádio D. Manuel de Mello, nos balneários pequenos, um junto à rouparia, o outro no início da bancada central, e no Fazendense, havia um balneário mais pequeno junto aos balneários da equipa principal.

Mas tudo era diferente naquele tempo, não havia pais a assistir a treinos, as boleias eram feitas com os treinadores e cada um levava o seu saco para se equipar no balneário junto dos outros colegas. No dia anterior, era tempo de preparar o saco com o equipamento, que eram uns calções, uma camisola, umas meias e as chuteiras e sem esquecer os chinelos, toalha e produtos de higiene para o dito banho no fim do treino, ninguém ficava com o banho por tomar no fim de cada treino, porque, em dias quentes, ficávamos suados e com pó no corpo e, no inverno, havia o frio e a chuva, e já disse que o campo era pelado não foi?

Pois, havia o risco de acabarmos completamente cheios de lama até á cabeça e todos molhados. Com estas pequenas coisas que tínhamos de lidar nos três treinos semanais e mais um sábado ou domingo de jogo, íamos fomentando na nossa cabeça e maneira de viver esta vida fora de casa, uma preparação para os próximos escalões de formação. Sim, os escalões de formação servem para isso mesmo, formar homens bons e jogadores para alimentar as equipas principais dos clubes, e esta maneira de estar, em conjunto com os colegas de equipa, era também uma preparação para isso. Sim, havia bullying, havia brigas, havia desentendimentos, mas havia também muita alegria à mistura.

Tudo isto é uma aprendizagem para o futuro desportivo e também para a vida porque muitas personalidades e feitios são criados a partir desses momentos vividos em grupo. O que se vê hoje em dia são os pais a levar os meninos ao treino e a ficarem na bancada a ver o treino e alguns até dão “dicas” aos filhos durante o treino. Não recrimino o acompanhamento dos pais na vida do filho atleta, mas por vezes é demasiado, os treinadores estão lá para orientar os meninos/as, são pagos pelos pais para isso.

Então vamos ver, o pai leva o filho ao treino, já vai equipado com a garrafa de água e chuteiras calçadas, uns de carro outros a pé, o pai fica a ver o treino do filho e, no fim, veste-lhe o casaco e vão para casa, isto durante duas/ três vezes por semana mais encontro ou jogo ao fim de semana e ainda vai transportar o menino/a ao jogo. No fim de tudo isto, ainda paga uma mensalidade sem nunca sequer ter convivido com os colegas sem ser dentro de campo ou ter visto sequer a cor de um balneário. Tudo isto vai ser transformado em desistência precoce do atleta ou procura interesse noutras áreas fora do desporto porque prefere ter um estilo de vida mais solitário porque nunca criou uma base de amizades dentro de um grupo desportivo com os restantes colegas de equipa. Posso dizer que já testemunhei colegas de equipa a virem da formação para o 1.º ano como sénior e no fim do treino só irem ao balneário calçar as sapatilhas para tomarem banho em casa.

Assim como a nossa educação tem que vir já de casa, o balneário ajuda a isso mesmo, a criar uma maneira de viver o desporto e a comportarmos-nos de boa maneira até ao fim da formação e início de adulto. Tudo isto tem também a haver como os clubes e dirigentes gerem os escalões de formação, apenas os números interessam e as taças que são conquistadas no fim da cada época, o dinheiro que entra, a maior parte vem dos pais, porque os patrocínios já são poucos ou nenhuns, mas há coisas que não acabam. Neste momento, com muita tristeza, o União de Almeirim não tem o seu estádio operacional, todos os escalões de formação utilizam o estádio Municipal em conjunto com o Footkart.

Será que os meninos de cada equipa, não podiam equipar todos juntos, conviverem e criar laços de amizade mais fortes no fim de cada treino? E assim se vai perdendo o conceito de “balneário” para chamarmos de formação, as escolas de futebol de cada clube, onde fazemos do futebol, ou de outro desporto qualquer, uma forma de os nossos filhos viverem os nossos sonhos. Mas isso é uma outra conversa.

Por agora os balneários vão ficando vazios e sem alma.