Ex-comandante da GNR de Alpiarça responsabiliza superior por operação em que é arguido

O antigo comandante do posto da GNR de Alpiarça disse hoje, ao Tribunal de Santarém, que a operação realizada num consultório médico, pela qual foi constituído arguido, foi ordenada pelo comandante do destacamento.

Ouvido como testemunha, o comandante do destacamento negou essa informação.

O antigo militar da GNR, que se encontra a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Évora, no âmbito de outros processos, quis prestar declarações no início do julgamento em que foi pronunciado pela prática dos crimes de denegação de justiça e violação de domicílio praticada por funcionário, por realizar uma busca num consultório médico sem mandado judicial.

Sérgio Malacão disse ao Tribunal que a operação realizada em dezembro de 2016, que envolveu a busca e apreensão de material médico, incluindo fichas de clientes, e a detenção e constituição de arguido do médico, por alegadamente estar a exercer medicina dentária sem estar habilitado para o efeito, foi dirigida pelo então comandante do destacamento da GNR de Santarém, capitão Armando Sousa, que teria supervisionado e autorizado os atos praticados.

Ouvido como testemunha, Armando Sousa disse ao Tribunal que, no próprio dia lhe foi comunicado, por telefone, que iria decorrer uma ação de fiscalização e que se deslocou ao local por ter achado “estranho”, já que desconhecia que estivesse a decorrer algum inquérito.

Segundo o ex-comandante do destacamento de Santarém, foi-lhe dito que se tratava de uma ação de fiscalização da Ordem dos Médicos Dentistas, que “pediu o apoio da GNR para garantir a segurança”, tendo verificado que estava a decorrer “de forma pacífica” e com a colaboração do médico visado.

Também ouvido hoje, o representante da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) que acompanhou a operação contrariou declarações de Sérgio Malacão, de que teria sido ele a indicar que materiais deveriam ser apreendidos, afirmando que se limitou a observar as condições higienossanitárias do estabelecimento e a concluir que algumas “não estavam bem”.

Repetindo várias vezes não se recordar dos detalhes da ação, Ricardo Albuquerque reconheceu a sua assinatura no relatório que integra o processo, bem como a autoria das imagens que o acompanham, mas afirmou não ter sido ele a elaborar o texto, que admitiu poder ter sido feito pela assessoria da OMD.

No seu depoimento, o médico visado, licenciado em Medicina Geral e Familiar desde 1980 e a exercer, na altura, no Centro de Saúde de Santarém, admitiu que fazia tratamentos de “boca e dentes”, atividade que iniciou em 1982 por se “sentir habilitado” e depois de ter pedido “esclarecimento” à Ordem dos Médicos.

Contudo, reconheceu que o espaço não tinha licenciamento, tal como acontecia com o aparelho de raio-x, como também não possuía livro de reclamações, nem licença de resíduos, nem preçário afixado.

Segundo a decisão instrutória, consultada pela Lusa, depois de elaborar um auto de notícia, por alegada prática de medicina dentária por profissional não habilitado para o efeito, Sérgio Malacão dirigiu-se, com outros militares, ao consultório, tendo apreendido material médico, cadernos de notas e caixas de fichas de pacientes.

“Essa diligência não foi ordenada por qualquer autoridade judiciária, não foi presidida por juiz de instrução criminal, nem foi acompanhada por representante da Ordem do Médicos”, lê-se na decisão instrutória.

Na sequência da diligência, na qual esteve presente um jornalista, que captou imagens, o médico foi detido e constituído arguido, é acrescentado.

A presença de um jornalista é apontada como prova de que o antigo sargento teve o objetivo “de se autopromover perante a comunicação social e a comunidade”, sabendo que a sua ação “teria, como teve, reflexo e prejuízo direto e grave na imagem social” do médico.

Sérgio Malacão disse ao Tribunal não saber quem informou o jornalista sobre a operação, tendo as testemunhas afirmado que apenas se aperceberam da sua presença no exterior do edifício.

O julgamento prossegue no próximo dia 24 de junho, com a audição das testemunhas de defesa.

C/Lusa