Radares para a depressão

No último verão, foram instalados 37 novos radares nas estradas portuguesas, 12 dos quais para medir a velocidade média.

Portugal tem feito um grande caminho na área da prevenção rodoviária com este (ou já devo escrever o anterior) governo a não falhar uma oportunidade de aplicar taxas, multas e impostos pedagógicos, sempre punitivos dos maus comportamentos e nunca beneficiadores dos bons. Foi assim com o sal, com o açúcar, com os produtos transformados e com a segurança rodoviária. Claro que sempre com os olhos postos na saúde e na preservação da vida dos portugueses e nunca em nome das contas certas!

Seja de que modo for, Portugal passou de 2.100 mortes em acidentes de viação em 1996 para o mínimo histórico de 390 mortos em 2021, número deflacionado pela pandemia, mas que pouco aumentou em 2022, para 462.

Claro que, enquanto houver uma pessoa a morrer nas estradas portuguesas, há caminho para andar (dentro dos limites de velocidade) nesta matéria e muita pedagogia para fazer com os automobilistas portugueses. E existe a consciência social que se tem de continuar a salvar vidas e a reduzir os acidentes de viação.

Pelo contrário, a consciência social ainda não despertou para os números do suicídio em Portugal. Em 2021 foram 928 pessoas que tiraram a própria vida, ou seja, por cada morto na estrada, há 2,4 suicídios em Portugal.

E pela saúde mental o caminho tem sido mesmo de retrocesso. Apenas para usar o mesmo ano de comparação, em 1996 suicidaram-se 650 pessoas. No ano 2000, 519. A Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental indica que 22,9% dos portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica, sendo, na Europa, apenas ultrapassado pela Irlanda do Norte, com a ansiedade a ser a perturbação que apresenta a prevalência mais elevada entre os portugueses (16,5%).

Estes números são ainda mais assustadores quando se toma em linha de conta que o suicídio já é a principal causa de morte entre a população jovem, sendo responsável por uma em cada seis mortes na faixa etária entre os 10 e os 29 anos.

As causas são várias, mas essencialmente de dois tipos: sociais, com destaque para a discriminação sexual e de género, e económicas, com destaque para o que se designa por “ansiedade financeira”, muito associado ao desemprego.

A saúde mental, e a depressão em particular, continua a ser um assunto tabu e, enquanto o for, estes números vão continuar a aumentar. Enquanto as consultas de psiquiatria no SNS representarem apenas 0,05% do total de consultas externas, enquanto os serviços de psicologia e orientação em contexto escolar não atuarem noutras áreas além da prevenção do abandono escolar e enquanto não houver um sistema de acesso a consultas de psicologia à semelhança do que acontece com o cheque-dentista vamos continuar a lamentar a perda de tantas vidas ainda com tanto por viver. 

E não é só no lado dos pacientes que há muito trabalho para ser feito. Toda a reação em torno da recente eleição da miss Portugal mostra o que nós enquanto sociedade somos capazes de fazer a um ser humano cuja única ação que tomou para provocar a nossa ira foi sentir-se bem consigo mesma. A homofobia, a transfobia, o racismo, a misoginia e o bullying no geral praticam-se de uma forma violentamente quotidiana e natural. 

Pouco aproveita a quem sente diariamente a discriminação a discussão se Portugal e os portugueses são estruturalmente xenófobos, machistas ou homofóbicos. O preconceito existe e tem consequências devastadoras para quem o sofre. Condenar alguém à morte só por não corresponder ao padrão de normalidade de cada um de nós é o crime mais ignominioso que se pode cometer.

E o estado português tem sido conivente com isso, muitas vezes patrocinador. 11.328 mortos na última década sem que esta pandemia silenciosa tenha merecido uma estratégia e uma política que combata os números que nos envergonham em qualquer ranking internacional é uma situação vexatória para os sucessivos ministros da saúde que fecharam os olhos a este problema.

Em todo o caso, escolhi escrever sobre este tema numa altura em que não temos governo para não dar ideias. Se a estratégia for a mesma que tem sido seguida, ainda acabamos a aplicar uma taxa ao suicídio.

João Bastos