‘Do Natal ao Carnaval… e  pouco mais…’, por Augusto Gil

Chegava o Natal…e com ele: roupas novas, “velhoses”, coscorões, prendas no sapatinho, árvores de Natal, acreditávamos nisso… juntava-se a “famelga”, e, entre choros e beijos recordávamos Natais passados de pais e avós acabando por dar mais valor ao Natal do presente…depois vinha a passagem de ano: pretexto para abrir uma garrafita de espumante barato e, para bebermos uma pinguita, apesar de sermos miúdos.

O Carnaval logo a seguir…

o desfile dos carros alegóricos dava a volta ao mercado. O Firmino Cantarilha era sempre o campeão e a Preciosa Cabeleireira logo a seguir; o dia fechava com a famosa corrida de burros. Mas daquilo que tenho mais saudades é das carroças enfeitadas com as famosas flores amarelas e dos garrafões de 5 litros que iam sempre a acompanhar. Já agora?! Quem não se lembra do Sr. Albino da EDP mais conhecido por Marinheiro (teimou em atravessar uma cheia para o lado de Santarém e lá tiveram que o ir buscar preso aos marmeleiros) e do Amaro Rato, que com diplomacia iniciava um diálogo sempre da mesma maneira: «sovieticamente falando, venho agora de Holiude onde fiz um filme com o John Vaine, o Setve Máquine, Marlom Brandi e com o Fredi às Tiras e a Ginjres Rogeres, mas tive que me vir embora porque o Leitão dos Barres quer fazer um filme comigo mais a Hermínia Silva e o Vasque Santana e o Toino Silva”… espectáculo»

Espectáculos do cinema

Estas situações eram mirabolescas e para bem divulgar os espectáculos e muito melhor que agora, não havia como o Sr. Henrique das Quotas e o Ramiro Bicheza que davam conta com profissionalismo, distribuindo folhetos dos bailaricos e filmes que iam passando no Cine-teatro; a Piltra era a mais popular, desde dez tostões aos três escudos era sempre para esgotar. Quando acabava o filme, se fosse de cowboys, a rapaziada vinha aos tiros, se era de amor, era vê-los a atravessar o jardim a imitar o que viam no final do filme, aos beijos nos beiços, e se era de espadachim, tudo quanto era verdasca servia de espadas.

E já que estamos no centro de Almeirim, porque não recordar as Manas Solteironas Castro Tavares e as irmãs Gabirras ou Cebolas, os médicos como o Dr. Rosa, o Dr. Albergaria, o Dr. Cantante e uma família que não se deve esquecer, os Marques da Cruz. Recordo que as festas do Mártir Santo tinham um cunho bastante pessoal e no Largo dos Charcos, por iniciativa deles, tivemos artistas de renome como o Fernando Farinha e Carlos Ramos etc!

Lá em baixo, ao pé do Jardim, tínhamos uma das mais tradicionais lojas de mercearia, a do Sr. Zé da Loja,E bem ao lado, o Sr. Zé dos Jornais, filho do Sr. Armando que, de sacola e olho vesgo distribuía com um som gutural: “Olha o Século, o Diário, os ridículos!”. E, por falar em olhos, ao domingo de manhã, na travessa do Vitorino Sapateiro, o Dr. Isabelinha lá dava consultas de borla aos mais carenciados.

O Mártir SANTO

E vamos por aí adiante… as festas do Mártir Santo (S. Sebastião), a procissão, as janelas engalanadas com colchas, as estradas enfeitadas com flores, o inesquecível sermão no Largo do Conde e logo de seguida a ida para a Feira Anual no Largo dos Charcos com os carros de choque, o carrocel, os aviões e lá ao fundo, para os mais crescidos… as barracas onde o spot publicitário era “Vai um tirinho, ó freguês?!”.

À noite, era o circo Mariano, com os Irmãos Campos, o Quinito, o Tótó, faziam as delícias de adultos e crianças…

Entre a Páscoa e o Verão

Nas férias da Páscoa e já com o tempo quente, alguns de nós íamos para a vala, porto do Guilherme Godinho ou mesmo debaixo da ponte onde bem recordo lavava-se roupa com água tépida e perto, uma fonte que abastecia quem morava em S. Roque. Com a quinta-feira da ascensão, a espiga era o alvo das atenções. De farnel aviado, íamos para os combros da vala, prá Quinta da Alorna ou prá mina. Se elas não apanhavam espiga, apanhavam o espigão…

A agricultura era fonte de riqueza. O melão, o tomate e a fruta com fartura faziam Almeirim mexer. Os fazendeiros não tinham mãos a medir com as vindimas à porta. Recordo as mulheres com o canos nas pernas e a trouxa à cabeça, os homens, com a burra, o tachito onde caldeiravam o almoço e o barrilito de madeira com a melhadura. Passavam a pé na rua de Alpiarça para as vinhas do Dr. Miguel ou do Dr. Isabelinha para amoiroar, descavar ou até dar uma podidela onde fosse preciso.

As férias grandes vinham aí… era chegado o descanso dos pequenos guerreiros. Para quem podia, a praia da Nazaré era a ideal, outros iam para Peniche, Figueira da Foz ou Estoril (para os abastados). O Algarve? Quê …onde é que isso ficava?

Com o calor a apertar e sem praia, a rapaziada tanto ia para a vala como para a charneca e brincava em tudo o que era sítio… empurrar com um pau o arco das jantes das bicicletas era uma delícia, a ida para o pinhal da mina ou mesmo para o sobral, uma diversão. À noite, toda a gente enxotava as melgas, na soleira da porta, e a televisão, coisa rara, mas já apetecida, levava os homens a sair de casa e a irem para a sede da União ou qualquer café que tivesse a caixa que mudou o mundo. O ritmo de vida de muita gente foi alterado por isso… para contrariar, os Santos Populares mantiveram a tradição com as fogueiras e as marchas na Fonte dos Namorados, Troia, Poupas, Pupo…

“Mestres”, Vinheiras, Galfarros, Vitorinos, Virgilios, Saiotes e tantos outros já diziam há quase meio século que já ninguém mandava arranjar os sapatos naquele tempo como dantes, “as pessoas compravam uns baratinhos que depois de gastos só se valesse a pena é que mandavam colocar meias solas porque senão iam para o lixo e compravam-se outros” ou davam-se a quem os aproveitasse. Mesmo daquela maneira a falta de qualidade dos materiais usados na altura e do dinheiro levava muitas das vezes as botas cardadas ou solas de Pneu para durarem mais tempo. A profissão “estáva condenada!”. Mas antes, recordo que há cerca de 40 anos em Lisboa no Largo Martim Moniz onde as sapatarias eram rainhas, eu comprar uma botas à Tom Jones como se chamavam na altura, bicudas, salto à Espanhola, e curtas. Em simultâneo, aqui em Almeirim, a moda do Mestre Vitorino já vinda do seu antigo Patrão Zè Marcelino vindo de França, começa com o fabrico dos famosos Botins com salto de Prateleira, e do salto à Espanhola. Criou-se a moda de então, muitos substituíram quer de Verão quer de Inverno, o famoso “Botim”,.

Recuando uns bons anos, vamos até ao Largo do Conde, onde Mestre Joaquim Soares, no lugar onde em tempos foi o Picadeiro dos Andrades, chegou a  encontrar um Banco etc,  e já foi Stand de Automóveis, Estação de Serviço do Sr. Edmundo Bastos, foi ali também naquele lugar a sua Sapataria. Contam que era um “Espada” na confecção de botas e sapatos de Senhora e de Homem, tinha fama e ciencia na sua arte. Para recordar também dum sapateiro de Almeirim nos anos 20/30, o Sr. Rogério Soares ali para os lados do Largo do Conde onde tinha a sua sapataria. Um dia uma ditosa Senhora Almeirinense dirigiu-se-lhe com estes modos: – Sr. Rogério, não estou satisfeita com os sapatos que encomendei e comprei aqui, estão tão mal feitos que me é impossivel andar com eles. Bem a resposta do Sr. Rogério foi impecável: – Minha Senhora, as “creaturas” que teem mesmo de andar, não se fornecem d´esta Casa… mas sim de um ferrador…!

 Muitos pelos visto o seguiram, na sua arte. A sua fama e o Comércio, era então derivado por duas razões, ali ao lado existiu bem perto onde se encontra o Tribunal e em tempos a G.N.R., uma Agência e Estação de Camionetas da Carreira do então Conde Sobral, já agora no lado esquerdo da Foto um muro branco, mas antes existiu uma casa onde foi ali os principios como latoeiros os manos Laudácias.

Ser hoje ali bem lembrado o primeiro dos lugares de encontro das gentes de Almeirim, onde além de haver um concorrente de sapateiro o Sr. Joaquim Pina era pegado a um barbeiro conhecido na altura, O Sr. Manuel David (O Coxo), que juntava ali muita clientela. Tanto que foi ali bem perto um dos Clubes dos então Ricaços de Almeirim, tal edificio quiz a história de Almeirim mais uma vez, acabar com ele….

Crónica, por Augusto Gil