É uma enorme satisfação verificarmos que, passo a passo, vamos protegendo cada vez mais a população” 

Numa entrevista concedida ao jornal O Almeirinense, Patrícia Caetano refletiu sobre os últimos dois anos. Desde o início da pandemia que Patrícia está na linha da frente e exerce, atualmente, funções na área da vacinação contra a Covid-19. A almeirinense, residente em Lisboa, não descarta, um dia, voltar à terra onde nasceu. Mas, por agora, garante que está focada em ajudar a combater a pandemia, que já perdura há mais de dois anos na nossas vidas. 

Nestes dois anos de pandemia, como tem acompanhado a evolução da Covid-19?

Quando surgiu a Covid 19 em Portugal, em março de 2020, penso que todos nós reagimos com medo. Eu senti medo!A doença tornou-se uma pandemia, que parou o país e o mundo. As pessoas fecharam-se em casa. Hoje, penso que estamos a recuperar aos poucos a nossa vida normal, embora com as restrições e os cuidados que ainda se impõem e que são fundamentais para evitar um retrocesso. A vacinação foi fundamental! Agora, tendo em conta que o vírus não desapareceu e que o Mundo é uma aldeia global, com muitos países com dificuldades de acesso à vacinação, é importante mantermo-nos prudentes, cumprirmos as regras a que já nos habituámos, como o uso de máscara, a lavagem das mãos e o distanciamento social. O acesso aos testes também é hoje muito mais fácil, o que permite a rápida deteção de casos positivos, e contando com o bom senso de todos, se isolem os doentes e os contactos de risco.

Esteve sempre na linha da frente? Se sim, em que funções e onde?

Sim. Logo no início da Pandemia, em Abril de 2020, colaborei com a Unidade de Saúde Pública dos ACeS Lisboa Central (Agrupamento de Centros de Saúde onde exerço funções) na realização de Inquéritos Epidemiológicos. A partir de junho de 2020, estive por vários períodos no ADR de S. Lázaro, onde é feito o atendimento de doentes com sintomas respiratórios e a realização de testes. Colaboro no TraceCovid, na vigilância de pessoas infetadas com ou sem sintomas, através de contacto por telefone. Desde março de 2021, tenho exercido funções na área da vacinação contra a Covid19. Mantenho também a minha atividade como Enfermeira na USF Sofia Abecassis (Unidade de Saúde onde trabalho).

Como tem corrido a coordenação do maior centro de vacinação do país?

A vacinação Covid para a população com mais de 80 anos iniciou-se no início de março de 2021, desde essa altura que exerço funções na vacinação Covid. No nosso ACeS existiam 4 centros de vacinação (Altice, Escola Politécnica, Areeiro e Pavilhão Manuel Castel-Branco), tendo coordenado o CVC da Escola Politécnica, por vários períodos, ao longo de 9 meses.  Em dezembro de 2021, abriu o CVC FIL, que agregou os 4 centros de vacinação do ACeS Lisboa Central com Centro de Vacinação do ACeS Lisboa Norte (CVC Cidade Universitária). Apesar de já ter alguma experiência, este centro de vacinação, tem uma dimensão muito maior do que estava habituada, no entanto, penso que correu bem. O processo de vacinação tem decorrido sem problemas, com uma grande adesão das pessoas à vacinação. Vacinámos, em média, cerca de 6000 pessoas por dia.

Nos últimos dias estão a vacinar 6000 pessoas/dia, sem atrasos nem queixas. É um trabalho exigente?!

É um trabalho muito exigente e de grande responsabilidade. Neste CVC trabalham por dia mais de 200 pessoas, entre Enfermeiros, Médicos, Assistentes Técnicos, Elementos da Proteção Civil, Bombeiros, Polícia Municipal, entre outros. Coordenei uma ala do CVC, em que trabalham diariamente cerca de 40 Enfermeiros.

Gerir as vacinas, aplicar as Normas da Direção Geral da Saúde e pôr em prática as orientações dadas pela TasckForce da Vacinação Covid, são tarefas exigentes que requerem muita organização e rigor. No entanto, uma das tarefas mais difíceis é quando as pessoas recorrem ao CVC para serem vacinadas, mas por não estarem elegíveis, não as podemos vacinar nesse dia. Estas situações acontecem com alguma frequência e geram alguns constrangimentos. Cabe-nos informar devidamente as pessoas, o que por vezes é uma tarefa muito difícil, porque não entendem que estamos a cumprir normas e as orientações superiormente emanadas.

Mas acredito que todos os dias chegam ao final do dia satisfeitos?

Sim, é uma enorme satisfação quando chegamos ao final de cada dia e fazemos as contagens de pessoas vacinadas, verificarmos que, passo a passo, vamos protegendo cada vez mais a população.

E exaustos também?

Fazemos normalmente turnos de cerca de 12 h por dia.  O Processo de vacinação decorre a um ritmo constante e bastante acelerado ao longo do dia, e graças à adesão dos portugueses à vacinação, a afluência ao centro de vacinação é muito grande. 

Quem está na primeira linha aguenta mais um ano como foram os dois últimos? Há um nível de cansaço grande?

Há realmente um grande cansaço dos profissionais de saúde, e será muito difícil se a situação se mantiver.  Nos últimos 2 anos tem havido necessidade de realização de um grande número de horas extraordinárias, para podermos dar resposta a todas as valências relacionadas com a Covid19 (ADR – atendimento de doentes com sintomas, Inquéritos Epidemiológicos, rastreio de contactos, vigilância de doentes Covid e vacinação), para além das atividades que se mantêm no Centro de Saúde.

Precisamos continuar a atender os nossos utentes, o que tem sido muito difícil, com muitas consultas de vigilância adiadas, pois tanto os Enfermeiros, como os Médicos e os Assistentes Técnicos têm sido deslocados para atividades relacionadas com a Covid19.

Atualmente, com o aumento significativo do   número de casos diários mais de 30 mil, a pressão nos CSP aumentou, uma vez que a vigilância é feita pelos profissionais dos centros de saúde.

Estamos exaustos e sentimos que não estamos a conseguir responder às necessidades da nossa população. Não só na prevenção de doenças não transmissíveis, que é uma das missões dos Cuidados de saúde Primários, como no acompanhamento e encaminhamento de doentes não Covid.

Não hesitou em vacinar os seus filhos?

Não, de todo. Os meus filhos, com 12 e 15 anos foram os 2 vacinados em agosto, no 1º fim-de-semana que as vacinas estiveram disponíveis para a sua faixa etária. E, curiosamente, foram vacinados em Almeirim, porque estavam lá em férias. 

Acredita que o pior já passou?

Gostaria de dizer que sim. Penso que estamos melhor, no que se refere a casos graves de doença e em número de óbitos.  No entanto, com o elevado número de novos casos que se têm verificado diariamente, em termos profissionais, a situação está ainda muito complicada. Espero que com a vacinação das crianças e o reforço nos adultos, a situação melhore rapidamente. Espero que não surjam mais variantes.  Para tal, é importante acelerar o processo de vacinação e contar com o bom senso das pessoas e com o cumprimento das regras que diminuem a transmissão do vírus. Aos poucos, retoma-se a vida normal.

O que diz aos negacionistas?

Procurem/ consultem fontes de informação credíveis! Hoje em dia, com as redes sociais, qualquer um de nós pode “publicar” a sua opinião.  Tendencialmente, as pessoas procuram informação que vá ao encontro das suas convicções ou opiniões.  Existe muita documentação disponível e de fácil acesso. Mas não há qualquer controlo ou triagem. Assim, e neste caso em concreto, apelo às pessoas que procurem informação fundamentada de fontes idóneas e credíveis. 

Existem muitas entidades credenciadas a nível mundial que disponibilizam matéria sobre a temática. Acrescento ainda que as Vacinas foram uma das maiores descobertas da Ciência e a que mais vidas salvou.  E infelizmente ainda existem no mundo muitas pessoas que não têm acesso à vacinação. 

Nascida em Almeirim há 47 anos, como acompanha a vida da “nossa terra”?

Nasci em Almeirim, mas cresci e vivi em Cortiçóis-Benfica do Ribatejo, até aos 18 anos, altura em que fui estudar para Coimbra.  Quando terminei o Curso de Enfermagem, vim trabalhar para Lisboa, onde vivo até hoje.  Até há cerca de 5 anos, íamos todos os fins-de-semana para Almeirim.  Agora, com os meus filhos já crescidos, com amigos em Lisboa e a jogarem rugby no S.L.Benfica, com treinos às 6ª feiras e torneios aos fins-de-semana, torna-se mais difícil e vamos com menos frequência. No entanto, mantenho-me a par das notícias e a ligação é forte, uma vez que tenho aí a maior parte da minha família. 

Um dia gostava de voltar a viver cá?

Sim.  Quando terminei o Curso de Enfermagem em 1996, a minha vontade era voltar. 

Tentei ir trabalhar para o Hospital de Santarém, mas não consegui vaga, e acabei por ir trabalhar para o Hospital de S. José onde obtive vaga imediatamente e onde fiquei até 1998.  Ainda me licenciei em Psicologia das Organizações, mas a Enfermagem falou mais alto. Desde 1998 que trabalho nos Cuidados de saúde Primários, hoje integro a USF Sofia Abecassis onde gosto muito de trabalhar, temos uma excelente Equipa. Recentemente ainda me especializei e fiz o Mestrado em Enfermagem Comunitária e Saúde Pública. Assim, acabei por organizar a minha vida em Lisboa, mas sim, gostava de voltar….  Mantenho uma casa em Almeirim e penso voltar…. talvez na reforma para algum projeto de voluntariado, por exemplo.