Diário de um Infante, por Augusto Gil

Há dias ao passar pelo jardim da República, sentei-me num banco que me foi sempre familiar e por hábito gostava em “pequeno” ali ao lado sentar-me naquele canteiro porque era por ali que passava quase toda a gente e por norma metia-me sempre ou vice-versa com os que passavam vindos da Praça ou à ida. Era mesmo ao meio. Ali ao olhar para o lado direito recordo as Duartes na sua Padaria, a Pastelaria do Zé Clara, as manas Tavares, o cinema, do outro lado a Barbearia do Sr. Zé Carvalho as Bombas de Gasolina do Sr. Chico Boavida, que com o seu andar recordava aqueles cowboys que víamos nos filmes que depois de uma caminhada a cavalo pelas Pradarias, quando “desmontavam” ficavam marrecos com as pernas arqueadas, era mesmo assim. Era hábito ainda me lembro muitas criadas ou as ditosas amas irem para o jardim para as crianças dos Patrões brincarem e lanchar por lá. Fui reparando no estado deplorável que o nosso Jardim está hoje. Faz-me recordar aquelas fotografias dos anos 20 em que era existente umas árvores, erva, alguns canteiros secos e terra batida.

Mas isto hoje é o progresso dizem alguns, comparando com o que no tempo do Dr. Godinho ou Torrão Santos, acho que nunca mais viremos a ter o tal cartão-de-visita de Almeirim. Fui olhando para as pessoas existentes por ali sentadas na conversa, hoje já reformadas em que algumas são filhos de outros que também os via já por lá nos anos 50/60, nas mesmas condições. O que a vida nos trouxe. Há dias e falando disto ao meu Pai, perguntou-me porque é que os cabelos da cabeça ficam brancos primeiro que os outros que existem no corpo, por exemplo os tais cá de baixo…; não soube responder, mas a resposta dele foi interessante: -È que quando nascemos já trazemos os cabelos na cabeça, os outros só virão a aparecer depois de 10 ou 12 anos… Tem lógica não tem? Ou então a já bem conhecida entre Reformados: – Atão Zéi, q´eque vais fazer hoje? – Eu? Nada, porquê? – Mas isso foi o que disseste ontem… –  E atão… eu ainda na acabei…

Mas como todos sabem pelo menos os mais antigos, este Jardim tem histórias que dá para encher um livro desde o inicio do séc. XIX como Mercado, Parque de estacionamento, onde cheguei a ver carros parados lá dentro no dia de um casamento também a inauguração nesse dia da temporada da Banda a tocar ali aos Domingos á noite onde o Coreto era posto e retirado em madeira e em tempos serviu, para arrecadar as bancas da Praça que era ali antigamente antes de 1932, as Festas Populares e até bailes e cenas de pugilato que recordo aos domingos à noite quando iam para lá para meter conversa e apalpar alguma menina, e já no meu tempo o jardineiro o Sr. Manel padrasto do Toino Papão, que embirrava connosco de andar por cima da relva ou desgraçado cão que lá entrasse, o cajado dele de arremeço era fatal, bem até para nós o andar de bicicleta nunca, na altura do jogo do berlinde fazer barrocas no chão nunca ou mesmo jogar ao Castelo com uma navalha que picávamos o chão ele já dizia que estávamos a estragá-lo. Sempre limpo aquele lugar, o seu filho o Zé J`Bão, com aquele carrinho típico em chapa durante todo o dia, nem uma folha podia estar no chão. Havia pouca iluminação, mas um dia resolveram colocar lâmpadas mais fortes e se alguns ainda se lembram, os candeeiros eram em ferro e cá em baixo havia uma abertura que retirávamos a tampa e lá os desligávamos por exemplo nos cantos para o pessoal namorar e já no meu caso para vermos os que eles faziam com as mãos e por vezes… não é de divulgar neste momento solene; muitas vezes os mais velhos ao esconderem os maços de tabaco, para os pais não saberem que fumavam e eu por trás ir lá buscá-los e dar ao meu Pai.

Também naquele jardim recordo a seita dos Taxistas, atarem uma carteira na altura do Carnaval a um fio de coco, ali logo à entrada, o que era delirante, as mulheres mais idosas virem com as cestas á cabeça e com as mãos ocupadas dos avios, olharem para um lado e para o outro e fazer uma ginástica doida para apanhar a carteira, e quando estavam quase a apanhar Eles taxistas puxavam nessa altura o fio… bem, apanhavam cá um cagaço, e aqui vai mais umas das famosas pragas que elas lhes dirigiam: -Filhes d`um realistíssimo cabrão…qu`lhes nascem já uns cornes maiores c`os bois da Beira, malandres, sem vergonha, abacelados os visse…um rais ta amargunçassem essa espurteza num balde de mer…! Nunca mais ande com voceses… mas hão d`mas pagar cains d´um corne…! Era assim…

Augusto Gil