‘As doenças do nosso tempo’, por Augusto Gil

 Uma s`limpampa, uma coisa ruim, um ar que lhe deu, ou uma barriga d´áuga, eram as mais conhecidas doenças ou chamadas desta maneira, há mais de” na sê q´antes anos” quando alguém morria onde a ciência sempre a progredir tais foram as ditas doenças que foram tendo um nome mais pomposo e mais horroroso, já diziam os mais novos, neste caso acerca de 80 anos. Os famosos “Joões Semanas” foram acabando, o trato humano destes para com os utentes foi-se a pouco e pouco diluindo no tempo e hoje somos atendidos por médicos com um sentido que me faz lembrar que hoje somos as senhas do produto alimentar e de um salário para eles prometido e “rochuchudo”. Salvo algumas excepções temos sido absorvidos pelo que eu chamo na gíria…és novo, tudo bem, és velho, já não escapas, ao que a lei da vida nos deu…Saude e sorte e já agora aguenta-te ou jogamos na “lotaria para ter uma alegria”!

Quantas vezes olharam para o espelho naqueles dias que até tinham vagar para o fazer e de repente víamos e até comentávamos entre dentes – Olha… um cabelo branco, ó… pá mas qu´é isto? Tenho aqui mais…, é pá… bem, tou a ficar velho (a) porra!

Sem dúvida o cabelo quando branco, dá-nos um Bilhete de Identidade de primeira apanha…quem vê caras não vê corações! O espírito e a própria conduta de vida o estar nela por vezes vai enganando quem julga de lá por ter cabelos brancos, que a vida acabou. Hoje quero falar de como se tratavam as doenças na nossa ou na minha infância aqui para os nossos lados. Se nos doía a barriga, a mãe deitava-nos no chão em cima de uma manta e esticavam-nos os pés até ficarem bem unidinhos e com as duas mãos esfregavam a barriga com azeite da candeia (nesse tempo as pessoas ainda algumas se alumiavam-se com candeias de azeite), depois faziam uma faixa com um lenço da cabeça e apertavam a barriga. Tínhamos que de andar com aquilo 3 dias com papas de milho ou sêmeas e vinagre. Não gostávamos nada. Se nos doía as cabeças diziam logo que era quebranto. Alguém nos tinha embruxado. Então, a mãe e as vizinhas entre elas a D. Maria Isabelinha mandava-nos sentar à lareira com as pernas cruzadas, davam-nos uma mão cheia de sal para segurar e andar com ela à volta da cabeça enquanto diziam:

“Quebranto, para que me vieste e não me disseste que eu te curaria? Com três traques meus, três das Marias, três do Bio-bio e três da vaca que t´pariu e vai-te embora.”

Em seguida punham o sal em cima das brasas. Se ficasse negro o quebranto tinha passado. Acho que ficava sempre negro pelo que eu via. O que a lógica e o progresso definiram sempre, mas fazer aquilo naquela altura…tinha que ser.

Quando as pessoas andavam fracas, mesmo aos cachopos, davam-lhes sopas de cavalo cansado. Eram feitas com vinho quente de preferência tinto e açúcar amarelo. Numa saladeira grande faziam as sopas de pão e por cima punham o açúcar bastante e depois cobriam com vinho quente. Mais tarde vem a história das gemadas com cerveja preta.

Muitos de nós comiam sopas de cavalo cansado antes de irem para a escola. Eu não me recordo se também comi disso antes de ir para a escola, mas julgo que comi algumas vezes.

Todos os dias ouvimos dizer que se fechou mais um Hospital ou Centro de Saúde. As pessoas ficam aflitas e muitas vezes com razão. Mas na nossa e infância e por isso mesmo, mas vamos recuar lá mesmo para trás, nas aldeias ou vilas havia médico, mas muitos nem acesso a eles tinham. Havia um senhor, a quem chamavam “Barbeiro” (mas não era de fazer a barba) que vinha às casas mediante o pagamento de uma avença. Ou seja, as pessoas, doentes ou não, comprometiam-se a pagar um alqueire de milho por ano e quando precisavam chamavam-no. Ele receitava papas de linhaça se doía a barriga, sinapismos de mostarda se doía a garganta ou as costas, chás de malvas, hortelã, cidreira, cabeça de marcela, borragem, chá das malvas etc.

Eram tempos muito diferentes, mas ninguém morria à fome. Se uma pessoa ficasse doente de cama logo lhe punham à cabeceira um pacote de açúcar e um pão de trigo um borracho para fazer uma canjita e se por acaso fosse homem de contas mesmo dez tostões ou 2, 3 mil réis.

Um tema antigo, bem gravado na memória, é o das enfermidades e dos meios com que se procurava dar-lhes combate. Nos curtos anos da minha infância e adolescência pude assistir à substituição das mezinhas e dos remédios manipulados na farmácia. É claro que não conheço o suficiente de história da medicina e farmacêutica que me permitam abordar este tema em moldes minimamente fundamentados. Mas o que eu posso e sei fazer é relatar o que, neste domínio, se passava nesse tempo, no seio das nossas famílias.

Constipação, anginas, otites, gripes, sarampo, varicela, papeira e disenterias, embora com nomes diferentes, tudo isso andou lá por casa, tocando a todos. Falava-se, de anginas, de dores de ouvidos, de bexigas doidas, de dores de barriga, de pontadas nas costas, tudo situações que a mãe ultrapassou, por si só ou com a ajuda do médico, mas sempre com muita fé, velas e promessas de cera ao Senhor Jesus dos Passos e muitas rezas a Nossa Senhora.

 Uma purga com óleo de rícino ou um clister (de açorda) eram coisa certa sempre que aparecíamos com febre. Diziam que servia, antes do mais, para limpar as” Tripas”. Vinham´´ depois, consoante os casos, os papelinhos que colocavam no peito (?), para baixar a temperatura, as fricções com vinagre aromático ou com álcool canforado, o algodão iodado ou os emplastros de papas de linhaça e mostarda, a escaldar, colocados sobre o peito, as sanguessugas para sugarem o “sangue ruim” … Se doíam as costas, davam-se umas pinceladas com tintura de iodo ou aplicava-se meia dúzia de ventosas.

Nas dores de ouvidos, e quão fortes eram, a minha mãe procurava dar-nos alívio vertendo, lá para dentro, leite levemente aquecido e azeite morno o que, segundo me lembra, pouco ou nada resultava. As dores só passavam quando a infeção era debelada pelas defesas próprias do organismo. Com as amigdalites era a mesma coisa. As correspondentes dores de garganta, a febre e a dificuldade de engolir passavam ao fim do tempo que durava para nós uma eternidade. Mas era crença generalizada que as anginas se curavam com as mezinhas caseiras e, assim, besuntava-nos a parte anterior do pescoço, onde se localizavam as ínguas, com pomada de beladona, sobre a qual se passava um lenço de algodão. Em complemento, gargarejávamos com água e sal, chupávamos sumo de limão, engolíamos colherezinhas de mel e fazíamos zaragatoas com azul de Mitilene. Este último tratamento, feito ao deitar, era aceite como uma brincadeira porque tingia de verde o xi-xi da manhã seguinte. Ir para a escola com um lenço atado ao pescoço, a cheirar a beladona não era agradável. Mas muito pior era quando o tratamento tinha sido feito com gordura de galinha que, com o mesmo propósito, era preferida pela minha mãe. Esta gordura amarela da ave era guardada numa velha s´ladeira, onde se oxidava, tornando-se rançosa e mudando a cor para castanho. Era nesta fase de apodrecimento, exalando um cheiro a cão mal lavado, que esta besuntação estava, dizia ela, em condições de produzir o efeito desejado.

Crónica, por Augusto Gil