“Não sou pessoa de ir a pódios”

Vitor Gomes, atleta natural de Benfica do Ribatejo, venceu a Multisport Coimbra 2023 Duatlo Full Distance, no sábado, dia 10 de junho, em Coimbra. O atleta do concelho de Almeirim venceu a geral numa prova que contou com um percurso de 180 quilómetros de bicicleta e 42,2 quilómetros de corrida.

Primeiro que tudo, o que é que você mais gosta de fazer, nomeadamente no desporto? 

Tudo o que aparece eu gosto. Sou uma pessoa que sempre viveu um pouco do que era o desporto e tudo o que possa haver a nível do desporto que eu tenha gosto, eu gosto de entrar e participar.

Jogar futebol?

Joguei até aos 22 anos, mas depois deixei.

Em que posição é que jogava?

Comecei como guarda-redes quando era mais miúdo, depois passei para a posição médio-esquerdo, mas depois ao longo dos escalões passei para a posição que gostava mais que era de guarda-redes.

Recentemente conseguiu este resultado de vencer na multisport Coimbra 2023 duatlo full distance, no dia 10 de julho em Coimbra. Este foi um grande resultado?

Para mim foi um resultado surpreendente, porque a minha ideia mesmo, quando entrei neste objetivo, que era um dos objetivos principais da temporada, a etapa mais importante que fiz na minha vida, foi entrar nesta prova, começar e terminar. Este era o objetivo principal, as coisas quando são trabalhadas nesse foco, num objetivo mais pessoal, porque para mim é mais importante o objetivo mais pessoal do que o pódio.

No seu caso em mais de nove horas, quando é que se percebe que pode ganhar?

Nós nunca estamos à espera de ganhar ou não. Só percebi que havia essa grande hipótese quando tenho um batedor da PSP à minha frente que me pergunta “você vai em primeiro lugar, sabe disso?”, e eu respondi “não, por acaso não”, “é só para lhe dizer que tenho de ir à sua frente, para ir a abrir caminho, para você continuar a manter esse ritmo que está a ter neste momento e continuar o seu percurso”.

E isso foi mais ou menos em que fase da prova? Tem ideia de quantas horas é que já levava de competição?

Foi logo na primeira fase do ciclismo, que ele veio ter comigo e me disse. Eu nem tinha reparado que tinha passado outro atleta. Como ia numa posição em cima da bicicleta, que é uma posição aerodinâmica, que é a chamada bicicleta contrarelógio, uma posição para manter a estabilidade e tentar aumentar a velocidade. Foi aí que percebi “acho que estou a fazer aqui alguma coisa de diferente”.

O restante da prova foi feito sempre em solitário?

Não podemos, temos de ir ou com alguém à nossa frente, ou com alguém atrás de nós. Temos de ir num perímetro de 12 metros do atleta que vai à nossa frente ou do atleta que vai atrás de nós.

Como disse este foi o resultado mais importante que conseguiu?

Foi. Não sou pessoa de ir a pódios. Fui a um ou outro, e todos têm importância, mas este para mim talvez tenha sido o mais importante na vida, porque teve um sabor especial para mim.

E disse no final a seguinte frase: “erguer aos céus com todas as minhas forças e dizer que este prémio não é só meu, que estiveste a olhar por mim neste momento, este é pra ti pai”.

Sim, porque foi das pessoas que desde miúdo que sempre esteve presente em qualquer tipo de desporto que eu fizesse, e tentou acompanhar o máximo possível, e a partir do momento que ele faleceu, foi uma coisa que nunca procurei dar algo que fosse com prémio, quero mostrar que podia chegar a um objetivo que trouxesse algo ou mostrar que eu ultrapassei os meus limites, e conseguir, e dar a erguer aos céus, como disse, e mostrar que não era só meu, mas também dele. A nível espiritual, quando nós sentimos a falta de força no nosso corpo, vamos buscar forças que muitas das vezes não temos. Nesse contexto, foi uma força vinda de algum lado, que me ajudou a terminar a prova nos últimos quilómetros.

Numa prova destas de desgaste tremendo, isso que acaba de dizer da questão mental é por demais evidente, não é?

É. A cabeça quando está ligada com o nosso corpo, conseguimos alcançar objetivos muito grandes, e quando conseguimos manter esse foco e a ligação entre essas duas coisas, conseguimos ultrapassar os nossos objetivos a nível físico e mental. Principalmente o mental, porque se não conseguirmos ultrapassar essa fase, o bloqueio que vai aparecer é através da nossa cabeça. Ela vai dizer “pára, não continues”, e se não tivermos essa força mental e formos fortes com isso, não conseguimos atingir os objetivos que queremos na vida.

Em que fase da vida é que surgiu o duatlo?

Em que fase? Começou com uma brincadeira em 2012, uma prova que fui fazer. Na altura estava no exército português, em Santa Margarida. Lá, em Santa Margarida, eles organizam um duatlo de BTT e, por acaso, veio um aspirante de pelotão, veio falar comigo e disse “gostava que tu fosses fazer esta prova, experimenta”. Fomos ao nosso comandante de esquadrão, na altura que era a capitã Silva, fui ao seu gabinete e disse que estava aqui mais um atleta para a sua equipa, e ela disse “tudo bem, se ele tem bicicleta vem”. Cheguei lá, fizemos a prova, e disseram que ia ser o quarto a chegar. Até que, quando terminei a prova, fui o terceiro atleta a fechar a equipa. Com esse resultado, fomos a nível da brigada, a segunda equipa a fechar com os três atletas e a alcançar um pódio a nível de equipas. Até as pessoas ficaram surpreendidas, e eu também não estava à espera de nada disso. Depois, um familiar meu, falou comigo e disse “porque é que tu não experimentas?”, e eu, na altura, falei com uma equipa do Cartaxo, que agora está extinta, que era o Ateneu Artístico Cartaxense, e entrei para essa equipa. Comecei a fazer os duatlos, depois começaram a aparecer os triatlos e, na altura, comecei a ser acompanhado por um atleta de elite, que era da seleção nacional, o José Estrangeiro, começou a dar-me os treinos e a explicar-me o que era esta modalidade.

Mas daí para cá muita coisa mudou, não é?

Sim, já mudou o treinador. Estou com o treinador João Dias, que me acompanha e me dá todo o plano de treino, e que está inserido na ONTRI que é onde se faz o acompanhamento dos atletas, seja de elite ou seja amador, qualquer tipo de atleta. Temos um objetivo por temporada, e isso é feito antecipadamente, para que possamos chegar às provas com um tipo de forma, preparados mentalmente e fisicamente. Com isso, tendo esse apoio por parte, não só do Sérgio, mas principalmente com o meu treinador, conseguimos alcançar o nosso sucesso pessoal. Aquilo que me dá mais gosto e fico mais grato por isso, é ter esse acompanhamento e conseguir perceber que o planeamento é muito importante para alcançar a nossa vitória pessoal.

E estava planeado estar já no pico de forma nesta prova de 10 de junho, ou não? E o que é que tem ainda calendarizado para o futuro próximo?

O objetivo agora, nestes próximos meses, que foi o que eu estipulei, é os 20klm Almeirim. Não é para ganhar, mas para passar a minha marca pessoal, pelo menos. No ano passado fiz 1h23m.

Esse planeamento que vão fazendo, direcionam para uma fase de temporada para a corrida, outra para o duatlo, ou vão trabalhando as várias modalidades?

Vamos inserir a aposta para essa prova, mas com outras provas, para manter o ritmo competitivo e aumentar um pouco mais esse ritmo, para estarmos preparados para a prova que queira fazer e chegar lá fisicamente e mentalmente forte e bem preparado.

Já falou mais do que uma vez nessa questão mental. Como é que vocês fazem esse trabalho mental?

Faz-se através do acompanhamento mensal. Um dia por semana, temos uma conversa com o nosso treinador, onde ele nos vai dizer o que é que podemos melhorar na semana a seguir, como correu os treinos.

O treinador é um bocadinho o vosso psicólogo?

É. É o nosso psicólogo, é aquele que nos dá o ‘input’ que pode motivar o atleta a dar o passo em frente. Basta uma palavra, às vezes nós estamos desmotivados. Há treinos que nós saímos de casa sem nos apetecer, mas temos de o fazer, e depois quando ouvimos aquela palavra, quando sentires na prova que o corpo está a reagir e consegues, é porque o planeamento que fizemos foi alcançado.

Treina mais sozinho ou acompanhado?

Muitas das vezes treino sozinho, mas tenho alguns treinos que tenho acompanhamento de algumas pessoas, a nível aqui da zona, treino algumas vezes ciclismo e tenho acompanhamento, alguns treinos de corrida são com outros atletas. Conforme o horário das pessoas.

Vítor, se nós recuarmos um bocadinho mais, em setembro de 2022, encontramos também um resultado bastante significativo, que tem a ver com o facto de, na altura, ter conseguido ser o terceiro melhor português do campeonato da prova de duatlo. Foi também um grande resultado. Foi o principal resultado a nível internacional?

Internacional, sim. Nunca tinha feito uma prova internacional, não sabia como é que era a nível de prova, organização, como estão preparados os atletas. É chegar lá, e é um mundo completamente diferente. O ambiente é muito diferente do que em muitas provas a nível nacional. Temos o apoio de muitas pessoas que não nos conhecem e isso sente-se, e o próprio atleta que vai sentir e ouvir só “Portugal” já é um motivo para nós querermos avançar. Para mim, é um resultado mais pessoal, foi chegar lá e mostrar que também posso alcançar resultados importantes.

E agora deixe-me falar um bocadinho das outras variantes, em particular, já falamos que foi jogador de futebol, em que clubes é que jogou?

Comecei por jogar no Sport Lisboa e Benfica do Ribatejo, na formação. Depois passei pela União de Almeirim, depois saí da União de Almeirim e fui para o Águias de Alpiarça. Em Benfica do Ribatejo comecei como guarda-redes, mas depois mudei para médio-esquerdo, porque na altura tinha um pouco mais de velocidade e também, como era uma freguesia pequena, tínhamos de aproveitar o peladão, mas aí é que dava gosto jogar à bola, porque no peladão é que mostrava quem é que sabia jogar à bola realmente. Depois mudo então para uma posição à frente.

Benfica do Ribatejo, União de Almeirim…

Depois voltei para Benfica do Ribatejo e depois reingressei na União de Almeirim, isto já na fase dos juniores. Depois da fase de juniores, a nível distrital não houve quase convites, e surgiu depois um convite de uma equipa do INATEL, O Valadense, de Valada. Fui muito bem recebido, foi uma equipa que foi construída para se divertir a jogar à bola e os resultados aparecerem por aparecer. Na altura era um relvado bem tratado, com as melhores condições possíveis e depois deixaram de ter equipamento. Para mim esse clube devia ser reaproveitado, e novamente ter uma direção e uma estrutura que o voltasse a reerguer, e voltar a ter as condições que na altura apresentavam aos jogadores.

Vítor, e a arbitragem é uma coisa mais recente?

Sim, é uma coisa mais recente. Isto começou em 2018, mais ou menos. Por acaso, eu tive sorte no contexto militar ter trabalhado, diretamente com um árbitro internacional português, com o Pedro Henriques, porque ele era o chefe da secção de desporto, na altura, em Mafra, e acompanhava um pouco o trabalho dele e a carreira que ele teve, e depois aproveitei para experimentar. Porque não? Experimentei, tomei-lhe o gosto e vejo que a nível da arbitragem tenho aprendido também não só como homem, mas também a modificar a forma de pensar o que é que é um árbitro dentro de campo. Não é aquela imagem que nós vimos lá fora, é completamente diferente.

Porque é que diz isso?

Porque as pessoas vêem o árbitro como um ser humano que vai ali e que tenta prejudicar. Não é.

É aquela ideia que existe para o polícia mau?

É, mas nós vamos lá fazer o nosso trabalho o melhor possível. Somos pessoas, somos seres humanos, toda a gente erra. E um avançado se falha um golo, claro as pessoas pensam “para a próxima tu consegues”, mas nós, se exibimos um cartão amarelo, as pessoas dizem logo “este já está a querer prejudicar a equipa”, mas não. As pessoas se tivessem um pouco de tempo e estudassem o conhecimento das leis, iam perceber quando é que têm de ser exibidos esses cartões, ou quando é que fazem sentido as faltas, muitas das vezes, eu falo por mim, tento gerir as emoções dos jogadores, dando uma palavra quando mostro o cartão.

Custa-lhe às vezes mostrar cartões?

Já me custou mostrar cartões, já.

Mas é inevitável às vezes, não é?

Já houve vezes que fiquei a pensar “se calhar não devia ter sido a melhor maneira”.

Tem 35 anos, que objetivos é que tem na arbitragem?

Ser eu mesmo, dentro de campo como sou fora, e tentar ensinar aos mais jovens que o futebol, ou o futsal, ou outra modalidade que tenha um árbitro, não o podem ver como uma pessoa má, mas uma pessoa amiga que têm dentro de campo. Às vezes, uma palavra mais calma, consegue levar miúdos que estão ali para se tentar divertir, e se calhar, com certas influências é o que modifica o temperamento de jogo. Perceberem que o desporto não é para ser levado com muita seriedade em todos os momentos, é para se divertirem, estão a crescer, estão a ser homens, estamos a construir uma carreira não só desportiva, mas também um homem ou uma mulher para a vida.

No meio disto tudo ainda é bombeiro nos BVA, e também toca no rancho de Benfica do Ribatejo, como é que arranja tempo para isto tudo?

Conforme a disponibilidade. Quando tenho o meu serviço nos bombeiros, estou disponível para lá, tenho de os realizar e com todo o gosto. Quando tenho as atuações do rancho, é estar lá presente para fazer aquilo que sei e o melhor possível, sempre com o gosto que tenho já desde os meus 14 ou 15 anos.

Para dançar é que nunca teve muito jeito?

Não, não. Não é uma coisa que puxe por mim.

O que é que toca no rancho?

Toco reco-reco e algumas vezes passo pela bilha, quando falta esse elemento, já me aconteceu ter de o substituir.