Voluntariado Joana Colaço e Inês Figueiredo estiveram em São Tomé e Príncipe numa jornada de voluntariado. Joana falou mesmo com o ALMEIRINENSE, enquanto estava nesta experiência que diz ser única e para repetir. Inês já tinha estado em Timor e num momento de mudanças profissionais, considerou que era o momento de voltar a entregar-se aos outros.

“Quero muito voltar”
Joana, como surgiu a ideia de fazer voluntariado aí?
A vontade de fazer voluntariado internacional surgiu por já ter participado em projetos de voluntariado em Portugal, como a Missão País. Considero que fazer voluntariado é uma experiência muito enriquecedora e que todos deveriam experimentar um dia. Sempre quis fazer voluntariado internacional, mas nunca tinha surgido a oportunidade certa. Como já conhecia São Tomé de uma viagem anterior e me liguei muito às pessoas, quando vi este projeto, senti que fazia todo o sentido participar.
Foi com mais amigas ou conhecidas?
Não, fui sozinha, mas acabei por conhecer outras voluntárias no projeto. Damo-nos todas muito bem, o que tornou a experiência ainda melhor.
Como está a correr? Está quase a terminar?
Tem sido uma experiência muito intensa e enriquecedora! O projeto onde estou é na Roça Agostinho Neto e chama-se Kêlê (significa Acreditar). O meu dia passa por dar apoio nos trabalhos de casa e ao estudo a crianças entre os 7.º e o 12.º anos. Há sempre desafios diários a gerir, o que torna os dias sempre diferentes. Está quase a terminar. Estou cá desde o início de fevereiro e volto para Portugal no final do mês. Agora que a experiência está a chegar ao fim, é muito gratificante ver o impacto que conseguimos ter em apenas um mês e perceber como podemos influenciar as vidas e as ambições das crianças.
O que mais a marcou?
Sem dúvida, a hospitalidade das pessoas. Apesar de levarem uma vida simples, éramos sempre convidadas para comer em casa de alguém, que nos recebia com boa comida e de braços abertos. Para além disso, criei uma ligação especial com algumas crianças que mostraram ter ambições e vontade de ter uma vida melhor.
Que histórias tem para contar quando cá chegar?
Muitas! Desde ir buscar água à fonte e apanhar fruta com as crianças da roça até às idas de mota para a praia. Além disso, tive a sorte de ser recebida em casa de várias famílias, que nos davam de comer da melhor gastronomia local.
Quer voltar?
Sim, quero muito voltar! Principalmente para rever algumas das crianças que acompanhei e perceber como estão e como o país evoluiu desde então.
Como caracteriza o país e a região onde esteve?
São Tomé e Príncipe são duas pequenas ilhas situadas na linha do Equador, por isso faz bastante calor. As pessoas são muito amáveis e simpáticas, e vivem segundo o lema “leve-leve”, que significa levar a vida com calma e sem pressas. No entanto, é um país em desenvolvimento e ainda enfrenta muitos desafios.
De que tipo de lacunas estamos a falar?
Principalmente pobreza e falta de infraestruturas básicas. Muitas pessoas não têm acesso a eletricidade de forma estável, não há rede de esgotos e nem há água canalizada e potável. Enquanto vivi em São Tomé consegui perceber, em primeira mão, o que é não ter água para tomar banho, nem água potável sempre que quero. Estas dificuldades acabam por afetar outras áreas, como a educação, onde muitos alunos desistem cedo da escola para trabalhar, e a qualidade do ensino, que é muito diferente do que temos em Portugal.
Qual a sua formação?
Fiz a licenciatura e o mestrado em Engenharia Biomédica na NOVA School of Science and Technology (FCT NOVA).
O que faz profissionalmente?
Trabalho na área da microeletrónica, mais especificamente em ASIC Digital Design.
De que mais sentiu saudades?
Além da família e dos amigos, senti falta de pequenas coisas do dia-a-dia, como saber que há sempre água e eletricidade, ou mesmo ter acesso a mais produtos que aqui são escassos ou muito caros.

“Foi um mês bastante intenso mas muito recompensador”
Inês como correu esta experiência? Adaptou-se bem?
Correu bastante bem. A adaptação ao país é bastante rápida, em parte facilitada por partilharmos a mesma língua e pela cultura acolhedora do povo São Tomense. Foi um mês bastante intenso mas muito recompensador.
O que mais a marcou?
Primeiro, é sempre marcante poder viver numa ex-colónia Portuguesa onde, a nível cultural, a marca que os portugueses têm na ilha é bem visível, especialmente na capital do país. Marcou-me a felicidade de um povo que partilha o amor por Portugal de uma maneira apaixonante. As crianças acompanham o Futebol Português e sonham em viver em Portugal mesmo apesar de crescerem muitas vezes com avós / tios uma vez que os pais emigraram para o nosso país. Existem algumas características da cultura local que são também muito interessantes. Por exemplo, a taxa de natalidade é bastante elevada por isso existem crianças em todo o lado e é comum que os homens tenham várias famílias em simultâneo.
As carências que pensamos existirem passam por…
Existem muitas carências na ilha. A primeira passa pelo acesso à água potável. Apesar de existir água em abundância na ilha, não existe saneamento básico na maior parte dos locais. Por isso, as pessoas recolhem água das fontes para poder ter em casa. A nível de saúde, os serviços de apoio também são bastante limitados existindo apenas um hospital na ilha e centros de saúde nas principais cidades. A nível de transportes, a maior parte das estradas estão em más condições, especialmente a estrada que faz a ligação ao Sul da ilha. Existem poucos transportes públicos sendo que a maioria das deslocações são feitas a pé. Relativamente à educação, não existe escolaridade obrigatória e a grande parte dos jovens completa apenas o 9º ano. Apesar do ensino ser gratuito, os níveis de insucesso são bastante altos, as matérias são complicadas e, muitas vezes, as crianças/jovens acabam por não ter qualquer acompanhamento em casa. E é por isto que é tão importante o papel de associações como a Kêlê na ilha.
Também sente as dificuldades de quem vive aí?
Em parte sim. Apesar da casa onde vivem os voluntários ter saneamento, este dependia de um depósito que estava, na maior parte das vezes, seco. O que significa que, na verdade, não temos água em casa. Isso implica recolher água na fonte todos os fins de semana (cerca de 150 garrafas/garrafões) que é usada para banhos, descargas da sanita, lavagem da loiça e para cozinhar. Bebíamos apenas água engarrafada, que comprávamos (apesar de podermos consumir a da fonte se a fervermos). A nível de alimentação, encontramos a maior parte dos alimentos a que estamos habituados disponíveis (um pouco mais caros, no entanto). Temos também peixe em abundância e muita fruta, especialmente banana. Os projetos onde trabalhamos são relativamente perto de casa, por isso conseguimos deslocar-nos sempre a pé.
As crianças valorizam a vossa presença?
Sim, as crianças valorizam muito a presença dos voluntários. Sabem que vamos para os ajudar na escola e no seu desenvolvimento. Claro que, muitos deles, procuram apenas ajuda para fazer os trabalhos de casa e estudar na altura dos testes, mas o nosso trabalho passa exatamente por incutir que devemos estudar continuamente e não apenas nessas alturas. Curioso foi perceber que apesar dos limitados acessos à Internet, pedem muitas vezes para usar o ChatGPT para ajudar na pesquisa para os seus trabalhos escolares.
O que a fez querer voltar a fazer voluntariado?
Desde a última experiência de voluntariado internacional em 2018 que queria muito repetir. Uma das principais dificuldades é conseguir conciliar com o trabalho, sendo que tive a sorte de, em ambas as vezes, conseguir uma licença sem vencimento no meu trabalho. Para além disso, a maior parte das despesas são suportadas pelos próprios voluntários, o que também acaba por ser uma dificuldade acrescida. No entanto, o sentimento de receber muito mais do que se dá é super gratificante. Além disso, relembra-nos da sorte e do privilégio que temos de ter nascido num país desenvolvido em que tomamos muitas vezes tudo como garantido. São experiências, sem dúvida, que ficam para a vida toda.
Criam-se laços com as pessoas aí?
Sim. Apesar de ser uma experiência relativamente curta de apenas um mês este é vivido de forma muito intensa. O contacto é mantido acima de tudo através das redes sociais onde continuamos a acompanhar não só o trabalho dos voluntários que lá estão como das crianças e jovens que acompanhámos.
Quer voltar?
Sim, adorava voltar. O maior constrangimento é, sem dúvida, o preço dos voos que ainda é bastante elevado. Aliás, considero que esse é mesmo o maior bloqueio ao desenvolvimento do país, que tem um potencial incrível com praias deslumbrantes mas muito pouco explorado ainda. É muito comum cruzarmo-nos com antigos voluntários que estão de regresso à ilha para matar saudades.