‘Os lugares sagrados…’, por Augusto Gil

Esta será pequena e rápida a introdução que serve para divulgar como naqueles espaços de lazer denominados Tabernas sem televisão e com rádio a falar sempre do mesmo ou a passar sempre os mesmos artistas ou um relato da Bola, ou mesmo as Rádios Novelas do Igrejas Caeiro, os Parodiantes de Lisboa, Discos pedidos, o pessoal passava desde o sol posto até à deita, com as mais incriveis conversas dos tempos idos.

O tipo de linguagem que existia apesar de ainda ser utilizado em muitos lugares é denominado como o puro dialecto ” charneco”. Não nego de ser muitas vezes advertido por dizer palavras como se diz na gíria, “Falar à moda de Almeirim”. Por isso não recordar por escrito certas palavras que são descritas na sua linguagem. Recordo o meu Pai que quando me escrevia (como pronunciava), para Moçambique, na altura em que fui militar: – “Mê cride filhe, come téncontras ê mais a tu mãi, cá vames come Deus quere. Cá arrecebi a tu carta e ficámes muinta sastefeites de tares beim, estouta a escruber au pé da tauba de passar a ferre, porque a tu mãi, quer falar contigue tamém…”.


Era assim os bons tempos mas nada pode mudar se não houver um bocadinho daquilo que sempre faltou nas nossas casas, o diálogo com os filhos e contar-lhes que como no meu caso, nos anos 40 e 50, eram os Pais que nos levavam à Escola diariamente de carro com o ar condicionado ligado depois de um pequeno-almoço com leitinho, torradas e marmelada. Íamos de sapatinho engraxado, bata super branca todos bem perfumados da Lacoste depois de um banhinho quente. Sempre bem agasalhados, com um bruto lanche que dava para trazer o resto para casa novamente porque era demais. Tínhamos sempre uns trocos para goluseimas, para gelados e para jogar nas máquinas. O almoço era sempre do bom e do melhor nos Mac Donald’s da altura e depois à tarde lá iam (os Pais) buscar-nos para as actividades de natação, karaté, aulas de música, futebol, etc.. Depois do jantar com sopa, peixe/carne, sobremesas de mousses de “chiclate”, muita televisão, internet e falar ao telefone e a mandar sms’s para as amigas e amigos e depois lá íamos deitar com a televisão no quarto sem som porque adormecíamos a ver a Playboy ou a jogar Play Station sem os pais saberem.
Era assim no nosso tempo… “quer se dizer, tive práqui a inventar como se isto fosse verdade! Né…?” Mas hoje? É uma miséria o que se faz agora pelos filhos que depois disto tudo, temos por vezes um embecilho(a) de 30 anos que, não gosta de mulheres ou de homens e vão ficando na expectativa de virem no futuro a ter como ordenado, o Rendimento Social de Inserção!

Mas voltando atrás, quando falava das Tabernas/Mercearias. Pelo facto de não haver frigorífico, era frequente os recados diários ir buscar uma “quarta” de açúcar, farinha, manteiga, uma “chóriça”, um “cadito” de café, um “cadito” de sabão azul, amarelo ou cor de rosa, palha “d´ace” e pinga para o meu Pai ali bem em frente à loja do “Jaquim” Correia que tinha a respectiva Taberna. Foi ali que, num dia, que vi o nosso Cambeta morto no chão por um barrão ao cortar-lhe as goelas com uma navalha!

O género de conversas que os mais velhos tinham eram muitas vezes apreciadas por mim. Como é que eles se entendiam com a deturpação da linguagem? Por isso mesmo hoje trago aqui algumas expressões para recordar daquele tempo: – “Ê onte, cande chiguê à charneca, tava mesme a veri que na tava c´adusposição pra fazer nada. O calori na desandava, a nha melheri tava c’o cão, na tava austemível e ê sozinhe, pinsei, vou masé arrabanhar um cadito de mate e quimar umas vides que ali tenhe, ande só a instrapeçar nelas e ós despois vou fazer uma gavela ali ao fundi da horta e apanhari uns sarmagues e umas sarralhas p´rós quelhos e arrefinfo com umas sardinhecas que cumprê ao Badé antiontem, antes cas morcardas as coumíem, baldo com metade mêlitre de pinga e um bocade cascasqueire, pregolhe uma sesta e tá o fade arrumade! Foi o ê quê finsze e na dou por mal impregue o dia, este já tá fête, amanhim, logue se vê!”

Naquela loja do Zé Moreno e de tantas outras, eram frequentes o tipo de conversas dos nossos antigos! ”Óh Ti Julha, venhe bescar o mê avie pró me home.. já vai ou não…? Atão cande é que m’avia?… indame falta a demanzia ê dê-lhe cinque mil reis…Ó quechopa pera aí que ê na tenhe tramanhes p´ra alívantar a cesta… Esta pecinhenta de vida até m´arregala, tá o me home c’uma baceira de Ógardente e tou pra ver se m`apanha a féibre dos cãins…! Olhim Quiste, atão pró que tava ê guardada agora anda sempri a embbadar… Molhes d´Homes quetive e funhe incontrari logue esta azenmola que neim tem más que jeite pra tirar auga cas alcatruzes das noras coma´mula, filho de um cã ordinaire é mesme um fasterco…!” – “Rasteparta melheri tem contente na boca olha os telhades teem óvides… já chega d´estarrabaço, ninguém tem prusição de saberi dessas tuas miseiras…!”.
Isto nesta altura era uma linguagem pura sem retoques e sem peneiras (anos 20/40).