O que devem comer as nossas crianças?

A informação disponível sobre “alimentação saudável” é profícua, por vezes confusa e contraditória, pelo que os pais podem sentir-se desorientados.

É consensual que uma alimentação saudável promove a saúde em todas as idades, mas desempenha um papel primordial nos primeiros 1000 dias de vida da criança. Nesta fase de crescimento particularmente acelerado ela constituirá um excelente investimento na prevenção de inúmeras doenças futuras: diabetes, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs ou tromboses), doença cardiovascular e alguns tipos de cancros, enquanto otimiza o desenvolvimento físico e psicomotor da criança.

Tal como nos restantes mamíferos, o leite constitui a base da alimentação humana nos primeiros anos de vida. A introdução dos diferentes alimentos deve ser feita de forma gradual, respeitando o grau de maturidade do intestino e dos rins, as etapas do desenvolvimento psicomotor e as características pessoais de cada criança. A fome deve ser saciada, mas nunca se deve insistir nem distrair a criança para que coma para além das suas necessidades, sob risco de sobrealimentação e obesidade futura. A comida não deve ser usada como forma de consolo nem de gratificação. A mastigação e a autonomia devem ser incentivadas logo que a criança manifeste essas capacidades.

É consensual que o leite materno exclusivo deve ser incentivado até aos 6 meses de idade e não possui nenhum substituto igualável. O leite de vaca não deve ser introduzido antes dos 12 meses de idade. A introdução dos diferentes alimentos deve iniciar-se entre os 4 e os 6 meses de idade, sendo que aos 6 meses o intestino está maduro para ingerir todos os alimentos que integram a roda dos alimentos. A carne deve ser introduzida por volta dos 6 meses de idade; o óleo do peixe e o azeite são gorduras essenciais nestas idades. Não se deve adicionar sal, nem açúcar; devem evitar-se os sumos de fruta e as bebidas doces; o mel, os chás, os enchidos e os peixes ricos em mercúrio (cação, tintureira, peixe-espada, espadarte e atum fresco) não devem ser dados antes dos 3 anos de idade. A carne, o peixe e o ovo devem ser sempre bem cozinhados. Aos 12 meses, a criança está apta a partilhar as refeições da família, de preferência sem a presença de ecrãs. A bem de todos e, porque as crianças são muito melhores a imitar do que a obedecer, toda a família se deve esforçar por manter hábitos alimentares saudáveis.

São conhecidos vários métodos de diversificação alimentar. Na forma tradicional há maior risco de perpetuar a ingestão dos purés de legumes e de fruta para além do tempo desejável, o que diminui o estímulo da mastigação, limita a autonomia da criança e aumenta o risco de sobrealimentação e de sobrecarga de açúcar. No BLW (Baby Led Weaning), a criança come alimentos inteiros, quando e como quer. Embora sejam mais autónomas, estas crianças correm o risco de ingerir dietas pobres em ferro e com baixa densidade energética. O método BLISS (Baby Led Introduction to SolidS) tenta colmatar essas lacunas controlando as proporções dos diferentes alimentos ingeridos. Os regimes vegetarianos requerem cuidados particulares e vigilância médica específica. Uma forma mista que reúna as vantagens de cada um e adaptada às características de cada criança constituirá, seguramente, o método ideal.

O uso dos recursos autóctones justifica a disparidade geográfica dos regimes alimentares. A globalização e a maior facilidade de transporte de alimentos permitiram-nos testar novos sabores e paladares, mas transformaram profundamente os hábitos tradicionais. Para além de menos sustentáveis, uma miscelânea inadequada pode adulterar regimes muito completos e saudáveis, com consequentes carências alimentares e sequelas a curto/longo prazo. As crianças e os adolescentes constituem um grupo particularmente vulnerável.

Em 2013 a UNESCO enalteceu a dieta mediterrânica decretando-a como património cultural imaterial da Humanidade. Em 2011 Valagão definiu-a como sendo “uma cozinha simples, que tem na sua base as sopas, os cozidos, os ensopados e as caldeiradas, onde se incorporam os produtos hortícolas e as leguminosas, com quantidades modestas de carne e que usa como condimentos a cebola, o alho e as ervas aromáticas para enriquecer os seus sabores e aromas. Esta simplicidade contrasta com uma culinária mais rica e elaborada reservada apenas para os dias de festa”. A roda dos alimentos ilustra a composição e a proporção ideal das diferentes categorias de alimentos, que devem ser preferencialmente frescos, sazonais e produzidos na proximidade geográfica. Deve ser fomentado o consumo dos legumes, das frutas e das leguminosas. O sal, o açúcar e as gorduras devem ser evitados e, porque estes ingredientes são usados para preservar os alimentos processados, também estes devem ser evitados e a sua introdução deve ser protelada o mais possível.

Em 2017, a European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) publicou as orientações internacionais mais recentes sobre diversificação alimentar e alimentação saudável. O Programa Nacional de Promoção de Alimentação Saudável (PNPAS), da Direção Geral da Saúde (DGS), adaptou as diretrizes internacionais à tradição nacional.

As cantinas escolares portuguesas são das mais saudáveis do mundo. Por outro lado, em 2019 Portugal foi um dos países pioneiros a homologar legislação que regula e limita a publicidade alimentar dirigida a menores de 16 anos. Contudo, o marketing digital continua a ser uma alternativa publicitária pouco regulamentada e capaz de exercer uma pressão muito elevada sobre as famílias. Existem inúmeros interesses comerciais subjacentes a alguns slogans enganadores (por exemplo, “alimento saudável”), mas capazes de seduzir pais, crianças e adolescentes pouco esclarecidos. Para elucidar sobre o perfil nutricional desejável dos diferentes produtos alimentares comercializados na Europa e destinados a crianças entre os 6 e os 36 meses de idade, a Organização Mundial de Saúde (OMS) emitiu, em 2022, o documento “Nutrient and Promotion Profile Model”. Já em 2024, em Portugal, a DGS publicou o documento “Guia para Influenciadores Digitais e Anunciantes”, que constitui um verdadeiro manual de regras e boas práticas de comunicação digital.

Por todas estas medidas Portugal tem sido apontado como uma referência internacional. Concomitantemente, também os cuidadores devem sustentar as suas opções em informação fidedigna, que deve ser oriunda de entidades idóneas e preferencialmente divulgada por profissionais de saúde. Os Pediatras, logo seguidos pelos Médicos de Medicina Geral e Familiar, continuam a ser os mais credenciados para esse efeito.

Teresa Gil Martins